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Luís Marques Mendes 28 de Janeiro de 2024 às 21:27

A reforma da justiça acabou antes de começar. PS e PSD estão condicionados

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala sobre o governo regional da Madeira, a reforma da justiça, a Operação Marquês, entre outros temas.

A SAÍDA DE MIGUEL ALBUQUERQUE

  1. Investigar, muito bem. Investigar suspeitas de corrupção, sem dúvida. Investigar todos, naturalmente. Ninguém está acima da lei. Mas há duas questões a esclarecer: porque é que houve tanto aparato, até com o envolvimento da Força Aérea? Porque é que houve jornalistas avisados previamente das investigações? Dois ex-PGR, Cunha Rodrigues e Souto Moura, pediram explicações. O que não é habitual. Alguém tem de esclarecer.
  1. Miguel Albuquerque decidiu sair de Presidente do Governo Regional. Fez bem, mas agiu tarde. Devia ter saído mais cedo e por sua iniciativa. Saiu mais tarde e empurrado pelo PAN. A minha opinião é que o Presidente do Governo não tinha alternativa. Tenho estima pessoal por Miguel Albuquerque. Mas politicamente não lhe restava outra solução. E porquê?
  • Primeiro, pelo padrão. Ao demitir-se de primeiro-ministro no âmbito da operação Influencer, António Costa estabeleceu um padrão. Um padrão que foi genericamente aceite, à esquerda e à direita. Assim, não se pode advogar a saída de António Costa num dia, e depois, em circunstâncias semelhantes, fazer o contrário.
  • Segundo, pela doutrina que perfilho desde 2005: políticos que sejam arguidos por crimes graves, designadamente corrupção, devem suspender funções. Por um lado, porque um governante suspeito de corrupção está publicamente diminuído na sua autoridade e fragilizado no exercício do seu cargo; por outro lado, porque ninguém tem o direito de "contaminar" a política e a instituição de que faz parte, enquanto as suspeitas existem. Penso hoje o mesmo que no passado.
  • Terceiro, porque os tempos mudaram. Há 20 ou 30 anos, as pessoas toleravam estas situações. E investigações a políticos eram raras. Hoje, há investigações e os cidadãos são implacáveis. Muitos políticos ainda não perceberam isto. E também não perceberam outra coisa: os princípios são para aplicar a todos: amigos, apoiantes e adversários.

NOVO GOVERNO OU DISSOLUÇÃO?

  1. A solução não é tão simples como tem sido apresentada. Há dois momentos distintos: o antes Orçamento e o pós Orçamento Regional.
  • Está em curso o processo de aprovação do Orçamento Regional para 2024. Assim sendo, Miguel Albuquerque pedirá já a demissão, mas o mais provável é que a demissão só seja aceite depois do Orçamento aprovado (princípio de fevereiro). Doutra forma, cai a proposta de orçamento e isso é mau para a Região.
  1. Depois da questão do Orçamento resolvida, eu acho que há duas hipóteses:
  • Uma hipótese é Miguel Albuquerque ficar em gestão até ao momento em que o Presidente recupera o poder de dissolução (fim de Março). Para que o Presidente da República decida quando estiver na plenitude dos seus poderes.
  • Outra hipótese é a pessoa designada pelo PSD/Madeira para substituir Miguel Albuquerque constituir um novo governo, mas que não dispensará que a partir do fim de março o Presidente da República decida a favor ou contra a dissolução. Pode ser um governo definitivo, mas também transitório.
  • Em conclusão: há que aguardar as várias evoluções dos acontecimentos. A dissolução não está decidida, mas também não está afastada. Não é informação. É a minha intuição.

 

ELEIÇÕES ESTRANHAS EM MARÇO

  1. Temos em março as eleições mais estranhas de sempre. Com consequências:
  • Primeira: dois chefes de Governo demitidos pela justiça. Porventura não havia alternativa. Mas nada disto é saudável para a democracia. Politizar a justiça é mau. Judicializar a política não é melhor. A justiça ganha protagonismo, mas fica mais exposta e vulnerável.
  • Segunda: o Governo da Madeira ficou decapitado. Não é só a saída do seu líder. É a saída do seu líder e daquele que seria o seu sucessor natural. Pedro Calado era, na prática, o mais que provável sucessor de Albuquerque. Pode ser o início de uma crise séria no PSD da Madeira.
  • Terceira: a reforma da justiça acabou antes de começar. Já não tem qualquer viabilidade. PS e PSD estão condicionados. O PS está condicionado pelos casos de Sócrates e António Costa. O PSD está condicionado pelo processo da Madeira. Ambos têm medo de "mexer" na justiça. Medo de serem acusados de a quererem controlar.
  • Quarta: não há verdadeira campanha eleitoral. A justiça substituiu a política e o esclarecimento e o confronto de ideias é mais difícil.
  1. Só há uma entidade beneficiada com esta situação: o Chega. E aqui há que distinguir a liderança do Chega dos seus eleitores. A liderança tem posições radicais, populistas, racistas e xenófobas. Os eleitores do Chega, na sua esmagadora maioria, não são racistas ou xenófobos. São portugueses zangados, como recordava João Marques de Almeida:
  • Zangados com os políticos. Zangados com os maus exemplos da política. Zangados pela falta de oportunidades. Zangados pela perceção de aumento da corrupção. Isto merece respeito e não censura.
  • Mas há no discurso do Chega algo muito demagógico: dizer que é necessário acabar com a corrupção. Claro que sim. Só que é isso mesmo que o MP e a PJ estão a fazer com estas e outras investigações.

SÓCRATES JULGADO POR CORRUPÇÃO 

  1. Ao fim de 10 anos, mais uma reviravolta no caso Marquês: afinal, José Sócrates vai a julgamento responder por acusações de corrupção. O Tribunal da Relação de Lisboa reverteu a decisão instrutória do Juiz Ivo Rosa.
  1. O que é que isto significa?
  • Primeiro, mais uma derrota de Ivo Rosa. Há três anos, aquando da sua decisão instrutória, considerei que Ivo Rosa era um "perigo à solta". Três anos depois, três Juízas Desembargadoras deram-lhe um arraso: acusam-no de extravasar competências; de só ter confiado nas declarações dos arguidos; de não ter visto todas as provas do MP; de não ter seguido o "caminho do dinheiro" para perceber a "corrupção" de Sócrates; de ser risível. Basta ler algumas passagens do acórdão.
  • Segundo, esta decisão é uma vitória do Ministério Público. E uma vitória justa. Num Ministério Público que normalmente tem espetáculo a mais e resultados a menos, esta acusação na Operação Marquês, a cargo de Rosário Teixeira, é das peças mais sólidas que têm sido produzidas.
  • Terceiro, é uma excelente notícia para a Justiça e para a democracia. Se Sócrates será condenado ou não por corrupção só o Tribunal o dirá. Mas o caso precisa de ir mesmo a julgamento. Sem julgamento, este caso seria um golpe sério na credibilidade da democracia. Gerar-se-ia a perceção pública de que Sócrates se tinha "safado" na secretaria.
  • Finalmente, tudo isto é a prova de que as instituições funcionam. Neste caso, as instituições judiciais. Podem funcionar com lentidão e com falhas. Mas funcionam. Este é provavelmente o único lado positivo desta semana verdadeiramente alucinante.

 

SONDAGENS NACIONAIS E REGIONAIS

  1. No país, as sondagens parecem evidenciar alguma tendência:
  • O PS à frente da AD (cerca de 5 pontos percentuais);
  • Montenegro com mais potencial de crescimento que Pedro Nuno Santos (diz a sondagem da Aximage);
  • Um número grande de indecisos, sendo que muitos provavelmente só vão decidir-se na última semana antes das eleições.
  1. Isto significa que os debates televisivos vão ter provavelmente mais importância do que é habitual e a campanha eleitoral, depois dos debates, vai ser ainda mais decisiva do que é tradicional. Serão certamente as eleições mais dramatizadas de sempre.
  1. Entretanto, daqui a uma semana haverá eleições nos Açores. Uma sondagem hoje divulgada na Região (da autoria da Aximage) dá a vitória à AD dos Açores (PSD/CDS/PMM) com cerca de 3pp de vantagem. Da sondagem percebem-se duas coisas:
  • A coligação liderada pelo PSD é favorita a ganhar;
  • Dificilmente, porém, haverá maioria absoluta. Assim, o espetro do Chega pode voltar a pairar na campanha eleitoral nacional.

O ESTADO DA ECONOMIA

  1. Uma associação empresarial – a Business Roundtable de Portugal (BRP) – lançou esta semana um exercício interessante a que chamou "Comparar para Crescer". Comparou Portugal com 8 países, através do PIB per capita em 2000: 3 mais ricos (Itália, Espanha e Grécia) e 5 mais pobres (Eslováquia, Estónia, Hungria, Polónia, Chéquia). Portugal estava então ligeiramente atrás dos mais ricos e claramente à frente dos 5 países de Leste, mais pobres.
  1. Vinte e dois anos depois, as mudanças são grandes:
  • Em duas décadas fomos ultrapassados no PIB per capita por todos os países de Leste. E dos países então mais ricos só conseguimos ultrapassar a Grécia, o que não é grande feito, como se sabe.
  • No plano dos salários, somos o antepenúltimo neste ranking. Salários mais baixos só mesmo na Grécia e na Hungria.
  • Em matéria de lentidão da justiça administrativa – aquela que ajuda a potenciar ou a dificultar o IDE – estamos no fundo da tabela. Em média, precisamos de 847 dias (mais de dois anos) para resolver um processo administrativo. Pior que nós, só a Itália.
  • A nossa carga fiscal é das mais elevadas. A taxa efetiva de IRC para empresas financeiras é de 21,4%, contra 10% na Estónia, 11% na Hungria, 16% na Polónia, ou 17% na Chéquia e na Eslovénia. Assim, é mais difícil competir na atração de investimento.
  1. Como Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos já anunciaram dar prioridade à economia, era bom que esta Associação (BRP) os convidasse para que ambos expliquem que medidas têm para colocar o país a crescer.
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