Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre a guerra dos Bombeiros, o julgamento de Angola, as polémicas dos deputados, o surto de greves os desafios das eleições legislativas, a auditoria à CGD e as relações Portugal/China.
A GUERRA DOS BOMBEIROS
Esta "guerra" tem, para já, uma causa e uma consequência. No futuro é preciso que haja diálogo e bom senso.
- Uma causa: a vontade do Governo de desvalorizar o papel dos Bombeiros Voluntários na estrutura da Protecção Civil. Não pode ser. É mais um sinal de arrogância do Governo.
- Uma consequência: a radicalização de posições. Também não pode ser. Os Bombeiros falam de forma violenta. O Ministro, em vez de deitar água na fervura, comportou-se como um incendiário.
- É preciso bom senso. Razão tem o Presidente da República ao dizer: as duas partes têm de dialogar e negociar. Nem os Bombeiros vivem sem a ajuda do Estado, nem o Estado consegue ser eficaz na Protecção Civil sem os Bombeiros, a sua coragem, competência e generosidade.
- Finalmente, o Governo tem de ter cuidado. Se não consensualizar posições com os Bombeiros, pode ter dois problemas: primeiro, um veto do PR; depois, não ter maioria no Parlamento para fazer aprovar a sua proposta.
O JULGAMENTO DE ANGOLA
Foi divulgada a decisão de um dos julgamentos mais mediáticos do ano – o julgamento do Caso Fizz, envolvendo indirectamente o ex-vice-presidente de Angola.
Há, sobretudo, três conclusões a tirar:
- Primeira: face às expectativas criadas, foi uma condenação pesada para o Procurador Orlando Figueira (6 anos e 8 meses de prisão efectiva). As expectativas não iam no sentido de uma condenação tão pesada porque o Mº Pº não pedia prisão efectiva, mas apenas condenação com pena suspensa. Afinal, o Tribunal foi mais longe do que pedia o MP.
- Segunda: face aos crimes dados como provados (corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal, falsificação de documentos e violação do segredo de justiça) já não se pode considerar uma pena assim tão pesada. Podia ser pior. Afinal, face à factualidade dada como provada, houve um cúmulo jurídico com espírito natalício.
- Terceira: Manuel Vicente não estava a ser julgado. O processo a seu respeito transitou para Angola. Mas a conclusão que se tira da leitura do Acórdão é que, se estivesse a ser julgado e não havendo outros elementos de prova, também seria condenado. É que, indirectamente, o Tribunal acaba por considerar que ele foi o corruptor activo.
A POLÉMICA DOS DEPUTADOS
A AR vai de mal a pior: são viagens fantasma de deputados; são deputados que votam e marcam presença por outros; são polémicas sobre moradas; é um relatório crítico do Tribunal de Contas. Tudo isto é um desastre: para a imagem do Parlamento, para a credibilidade dos deputados; para a qualidade da democracia. É de situações como estas que se alimentam os populismos.
Por que é que tudo isto acontece? Três razões essenciais:
Primeira: regras pouco claras e pouco transparentes. Como o Parlamento não tem coragem de aprovar um regime de remunerações como deve ser, acumulam-se as alcavalas, os pretextos, os subsídios, as habilidades, os truques burocráticos e administrativos. A seguir vêm os abusos. É sempre assim. Um dia destes, ser deputado não é curriculum. É cadastro.
Segunda: estatuto de impunidade. Tudo isto sucede também porque, quando algum deputado abusa, prevarica e viola as regras, não lhe acontece nada. Não é punido nem pelo Parlamento nem pelos respectivos partidos ou líderes partidários. Todos fazem vista grossa. Nem uma censura ética ou política. A verdade, porém, é que alguns destes comportamentos deviam dar lugar à perda de mandato. Até para defender os que comportam correctamente. O justo não pode pagar pelo pecador.
Terceira: perda de qualidade política. De eleição para eleição, tem baixado a qualidade. Mas não é só a qualidade política. É também a qualidade ética e a qualidade humana. Isto também explica muitos destes comportamentos. É que a questão que está em causa não é uma questão técnica. É uma questão política e ética. Precisamos de mudar o sistema eleitoral. Precisamos de ter círculos uninominais. Para que os deputados sejam realmente escolhidos pelos eleitores e não apenas pelos partidos. É preciso acabar com o monopólio partidário na escolha dos deputados.
O SURTO DE GREVES
O que justifica este enorme surto de greves?
Primeiro: uma razão política. Com a proximidade das eleições, os partidos que mais influenciam os sindicatos, caso do PCP, querem demarcar-se do Governo. Fazer prova de vida contra o Governo. Por isso, esta escalada de greves vai continuar. Pelo menos, até ao 1º de Maio de 2019.
Segundo: uma razão social. Com a ideia que a economia está a crescer e o défice a baixar, criou-se a ideia de folga. Logo, reclamam-se melhores condições de vida. Acresce que, apesar do discurso oficial de optimismo e de crescimento, muitos trabalhadores não vêem o elevador social a funcionar nem vêem grandes expectativas de progredirem nas suas carreiras.
O uso e o abuso da greve – Não vou discutir a justiça de cada greve. Mas vale a pena reflectir sobre a sua razoabilidade. Há, a meu ver, três destas greves que vão para além do razoável:
A greve dos enfermeiros – Pode ser uma greve justa mas há muito que deixou de ser uma greve razoável. São milhares de cirurgias afectadas. Algumas bem urgentes. Isto dá cabo do SNS. Objectivamente, é um favor que estão a fazer aos hospitais privados.
A greve dos guardas prisionais – Outra greve que pode ser justa mas não é razoável. Afecta, para além do que é razoável, os direitos dos reclusos. E põe em causa a segurança das cadeias.
A greve dos estivadores em Setúbal – Até admito que os estivadores possam ter alguma razão. Mas, pela sua duração, esta greve vira-se contra os próprios grevistas. É que, na prática, estão a acabar com o porto de Setúbal. Péssimo para a economia nacional.
Estas greves prejudicam ou não o Governo? Claro que prejudicam.
Primeiro: o Governo deixou de ter um trunfo eleitoral – a paz social. Até há pouco tempo era o Governo da paz social. Agora, deixou de ter essa marca.
Segundo: gera desgaste e cria descontentamento. Pode até nem perder muito votos mas deixa de ganhar. Em vez de um ambiente de tranquilidade, de acalmia e de harmonia social – que dá votos –, tem pela frente um clima de crispação que não dá um voto.
DESAFIOS DAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS
Marcadas as eleições para o dia 6 de Outubro de 2019, vejamos agora os desafios que se colocam a cada partido.
- O desafio do PS – Ganhar com maioria absoluta. Tem todas as condições para a alcançar. Se o não conseguir é só por culpa própria. Terá então uma vitória eleitoral com sabor a derrota política. E se não o conseguir é, sobretudo, pelo vício da arrogância. Esta semana mais um exemplo: o deputado Paulo Trigo Pereira abandonou o GP do PS queixando-se de atitudes arrogantes e prepotentes. É sempre a somar.
- O desafio do PSD – Evitar, pelo menos, ficar abaixo dos 30%. O PSD parece ter desistido de lutar pela vitória. A sua preocupação é encontrar justificações para a futura derrota eleitoral. Algo de inacreditável. Todos no PSD estão a pensar no day after. Todos estão a contar espingardas para o pós-Rio. A verdade, porém, é que se o PSD não chegar, pelo menos, aos 30%, a sua vida no futuro vai ser um inferno.
- O desafio do CDS – Ficar em terceiro lugar e ultrapassar o BE. Assunção Cristas tem aqui uma oportunidade importante. Pode ser a grande beneficiária do desgaste do PSD. Tal como sucedeu nas autárquicas de Lisboa. Se o não conseguir, vai ter uma certa derrota política e pessoal.
- O desafio do PCP e do BE – Manterem as posições de 2015 e evitarem a maioria absoluta do PS. Não é fácil, até porque a geringonça manifestamente beneficia mais o PS que qualquer um dos outros parceiros. Mas também não é uma tarefa impossível.
- O desafio do PAN – Crescer em votos e deputados. Pode ser uma das grandes surpresas das próximas eleições. Há sondagens que já lhe dão 4% dos votos. Em boa verdade, o PAN passou a ser o grande partido de protesto. Ocupou o lugar do BE.
- O desafio da Aliança – Ter, no mínimo 5% de votos. É o patamar mínimo de eleição em muitos parlamentos europeus. Se não conseguir lá chegar, vai ter dificuldade em afirmar-se e em sobreviver no futuro.
AUDITORIA À CGD
Prometida pelo Governo, mandada fazer em 2017, onde pára a Auditoria feita à gestão da CGD?
Em função do que apurei, há três factos a salientar:
Primeiro: esta auditoria está feita, abrange o período de 2000 a 2015 e concluiu, entre outras coisas, que a CGD aprovou entre 2005 e 2008 várias operações ruinosas. Não é apenas nesse período. Mas esse período – 2005 a 2008 – é considerado pela auditoria o período mais negro da gestão da Caixa.
Segundo: a Auditoria está no Ministério Público, a pedido do próprio MP. Há já alguns meses. O que significa que não é de admirar se um deste dias houver investigações e acusações por gestão danosa da Caixa.
Terceiro: a Auditoria está também no Banco Central Europeu. O que significa, entre outras coisas, que gestores que passaram pela Caixa naquele período não vão conseguir no futuro a aprovação do BCE para voltarem a ser gestores de bancos em Portugal. Fica aqui a chamada de atenção para gestores cuja idoneidade tenha de ser avaliada ou reavaliada pelo BCE no futuro.
Finalmente, uma pergunta à Assembleia da República: para quando a prometida mudança da lei bancária para que o país possa conhecer a situação dos grandes incumpridores da CGD?
RELAÇÕES PORTUGAL/CHINA
A visita do Presidente da China a Portugal foi importante por 3 razões:
Primeiro: pelo momento da visita. Um momento de mudança:
- Mudança no plano internacional;
- Mudança na China. O último congresso do PCC, realizado em 2017, definiu o objectivo de a China ser em 2049 uma grande potência mundial. Isto faz com que a pegada chinesa no mundo seja cada vez maior.
- Segunda: pela importância do investimento chinês em Portugal.
- Investimento feito num tempo em que ninguém queria investir;
- Investimento em áreas estratégicas;
- Investimento relevante (6 mil milhões de euros).
- Terceira: pelo papel especial que Portugal terá na relação com a China.
- Portugal poderá ter sempre uma capacidade de interlocução com a China bem superior à sua dimensão e no seu peso internacional, em resultado, designadamente, da forma, considerada excelente, como ocorreu a transferência de Macau.
- Ora, isto é muito importante. A China será a nova superpotência do futuro. Esta relação não faz alterar as nossas alianças tradicionais, mas é uma mais-valia estratégica adicional muito importante.
Ainda no domínio da política externa:
- Cimeira do Eurogrupo – Foi um flop. Garantia de depósitos adiada. Orçamento da Zona Euro também. Derrota de Macron. E de Centeno. Centeno do Eurogrupo a puxar as orelhas ao Centeno de Lisboa.
- Decisão do Brexit terça-feira – É o dia D. O acordo vai ser chumbado. Teme-se o pior a seguir. Será o primeiro dia do resto da vida do RU.
- Substituição de Merkel na CDU – Uma vitória póstuma da Chanceler, que foi ovacionada 10 minutos seguidos.