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06 de Outubro de 2024 às 21:19

Marques Mendes: Montenegro dificilmente pode ceder mais no IRC

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala das negociações de Governo e PS para o Orçamento do Estado, do acordo com os parceiros sociais e da situação no Médio Oriente.

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O CRÉDITO À HABITAÇÃO

  1. Boas e más notícias na habitação. As boas têm a ver com o crédito. Neste mês de outubro haverá reduções com algum significado nas prestações aos bancos. No modelo habitual de um financiamento de 150 mil euros:
  • Haverá uma redução de 108€ na prestação com Euribor a 12 meses; uma redução de 57€ numa prestação com Euribor a 6 meses; uma redução de 26€ no caso da Euribor a 3 meses.
  • Uma vez que a inflação na Zona Euro recuou em setembro para 1,8%, abaixo dos míticos 2%, a perspetiva é que tenhamos nova redução de juros do BCE durante este mês. É preciso aguardar.

 

  1. As más notícias respeitam à total falta de controlo dos mecanismos de aplicação dos subsídios de renda para famílias necessitadas. Trata-se de uma medida do governo anterior, em relação à qual o Tribunal de Contas detetou falhas de aplicação absolutamente gritantes:
  • 35 mil beneficiários não receberam apoio, sobretudo por falta de IBAN. 26 menores receberam o subsídio, alguns dos quais só com 4 anos de idade. 32 beneficiários não eram residentes em Portugal. E 2.867 beneficiários eram residentes não habituais.
  • Tudo isto seria de gargalhada caso não fosse grave. O que isto prova é o desleixo, a ineficiência e as falhas de controlo na nossa Administração Pública. Às tantas, se se introduzisse IA em vez de controlo humano, talvez os resultados fossem melhores.

 

  

OE: ACORDO À VISTA?

 

  1. Há uma semana estávamos longe de um acordo. Agora estamos muito próximos, graças sobretudo às cedências feitas pelo primeiro-ministro: cedeu em cerca de 90% no IRS Jovem; cedeu 50% na redução do IRC. O primeiro-ministro fez bem em ceder. O Governo é minoritário. E Pedro Nuno Santos também reagiu bem. Com sentido de responsabilidade.

 

  1. Em qualquer caso, ainda não temos acordo. O diabo está nos detalhes:
  2. Quanto ao IRS Jovem, a diferença está no prazo da medida. Fácil de resolver. Pode ser 7 anos ou um pouco mais. Pode haver cedência.
  3. Já quanto ao IRC, dificilmente Luís Montenegro pode ceder mais. Ele cedeu até ao limite. Ceder mais é abdicar da medida económica mais estruturante do seu programa de governo. Essencial para as PME e para a atração de investimento. Recordo que temos uma taxa de IRC maior que a de qualquer país do Leste Europeu, os nossos concorrentes.

 

  1. Conteúdo á parte, o discurso também pode ser aproximado:
  • Pedro Nuno Santos até pode dizer que não aprova mais OE que consagrem novas reduções do IRC. Isso é legítimo. Tem todo o direito. O que não é legítimo é exigir ao Governo que abdique de propor novas reduções de IRC. Isso é desfigurar a estratégia governativa.
  • Esse discurso é tão ilegítimo quanto seria Luís Montenegro dizer que abdica de novas reduções do IRC, desde que o PS se comprometa a votar a favor de todos os seus OE. Seria igualmente ilegítimo. Um abuso.

 

  1. Aqui chegados, há uma solução que salva a coerência de todos: o PS declara que não viabiliza novas reduções do IRC no futuro e o Governo, daqui a um ano, pondera se avança com elas ou não. É um bom ponto de equilíbrio. Ninguém bloqueia a vida de ninguém. E ninguém perde coerência de pensamento. É um compromisso de bom senso.

OE: PROPOSTAS DE MONTENEGRO

 

  1. Luís Montenegro teve a sua melhor semana desde que é primeiro-ministro: primeiro, com o acordo de concertação social, conquistando o apoio da UGT e da CIP; depois, com o debate quinzenal na AR, onde exibiu autoridade; finalmente, com a cereja no topo do bolo que foram as contrapropostas feitas ao PS para desbloquear o OE. Em todos estes momentos, Montenegro surpreendeu positivamente.

 

  1. A surpresa maior surgiu nas contrapropostas orçamentais, que retiraram ao PS muito espaço de manobra para votar contra o OE. Muito boa gente ficou impressionada com o talento do primeiro-ministro. A razão desta surpresa é fácil de explicar: por um lado, o primeiro-ministro está confortável com qualquer uma das soluções em perspetiva: aprovação do OE ou eleições antecipadas. E quando um político está confortável é mais fácil ter sucesso no que faz ou no que diz.
  • Está confortável com a aprovação do OE. É a sua prioridade. Para um primeiro-ministro de um governo minoritário é sempre uma vitória conseguir aprovar o seu OE. Ainda por cima, sendo o primeiro orçamento.
  • Mas também está confortável se for empurrado para eleições. Pode não obter uma maioria absoluta, mas provavelmente reforça a sua votação de 10 de março.

 

  1. Por outro lado, há uma segunda razão que explica a surpresa que existe, à esquerda e à direita, com o PM. O mundo político e mediático comete, em regra, um erro enorme: o erro de desvalorizar Luís Montenegro. Tal como em 1985 desvalorizou Cavaco Silva. Como sempre tenho sublinhado, o atual primeiro-ministro é muito melhor do que se imagina: é bem preparado, tem sentido de Estado, capacidade de diálogo e uma boa visão política. Nunca é boa ideia desvalorizá-lo.

 

OE: A ESTRATÉGIA DE PEDRO NUNO

 

  1. Pedro Nuno Santos está próximo da aprovação do OE. E, se o aprovar, faz bem e ganha com isso. Primeiro, porque teve cedências do Governo, o que é uma vitória; depois, porque os portugueses apreciam líderes com sentido de responsabilidade. Pedro Nuno Santos ganhará credibilidade se aprovar o OE.

 

  1. Posto isto, há que reconhecer que Pedro Nuno Santos tinha dois planos: o plano A e o plano B. Viabilizar o OE não era a estratégia mais desejada por Pedro Nuno Santos. Se aprovar o OE, esse é o seu plano B. O seu plano A, o mais desejado, era que o OE fosse aprovado pelo Chega e não pelo PS.
  • Pedro Nuno Santos fez tudo para que Governo e Chega aprovassem juntos o OE. Ele queria, de uma assentada, conseguir dois objetivos: evitar ser acusado de muleta do Governo; e encostar o Governo ao Chega, deixando todo o espaço do centro para o PS.
  • Só que as contrapropostas do governo retiraram-lhe espaço de manobra para essa estratégia. Ou seja, para o líder do PS a viabilização do OE é um mal menor. Não é uma abstenção violenta, como a de Seguro em 2011. Mas é o plano B que lhe garante apresentar-se como fator de solução.

 

  1. Claro que o risco de eleições era e ainda é sério para o PS. Só que, no seu íntimo, Pedro Nuno até aceitava correr esse risco. Por uma razão: porque ele entende que, mesmo perdendo umas eventuais eleições gerais, não corre o risco de perder a liderança do PS. É que ele tem um controlo total do aparelho do partido e dificilmente haveria uma figura dentro do partido que lhe conquistasse a liderança. Os moderados do PS têm muita qualidade, mas não têm peso na estrutura partidária. Logo, Pedro Nuno Santos está seguro como líder. E isso dá-lhe conforto político.

 

OS ACORDOS SOCIAIS

 

  1. Uma semana rica em decisões no domínio social. O relevo maior foi para o Acordo de Concertação Social. Com três destaques:
  • O primeiro é um destaque político. É obra um governo minoritário alcançar um acordo com os parceiros sociais. É obra incluir nesse acordo a UGT. É obra conseguir a adesão da CIP. Recordo que a CIP não assinou o acordo anteriormente celebrado.
  • O segundo destaque é para a evolução do Salário Mínimo. O governo anterior deu passos importantes nesse sentido. O atual governo reforçou essa orientação, promovendo aumentos superiores aos que estavam previstos.
  • O último destaque tem a ver com o salário médio. Estava previsto no Programa de Governo que o valor indicativo de 1.750€ para o salário médio se alcançasse apenas em 2030. Com este acordo, essa meta é antecipada em três anos: para 2027. É uma vitória de todos – dos parceiros sociais e do Governo.

 

  1. O segundo acordo é menos mediático, mas não é socialmente menos importante. Melhorar a situação financeira do setor social é absolutamente indispensável: Misericórdias, IPSS, Mutualidades e Área da Deficiência vão ter as suas comparticipações estatais atualizadas em 3,5%, com retroativos a janeiro. É um esforço grande do Estado.
  • À margem deste acordo, mas igualmente relevante, são as decisões também anunciadas para valorização dos cuidadores informais, seja pela sua valorização salarial, seja pelo alargamento do estatuto de cuidador informal a mais pessoas, para além do universo familiar. Esta matéria diz pouco ao país político e mediático. Mas diz muito ao país real.

 

MÉDIO ORIENTE – UM ANO DEPOIS

 

  1. Faz amanhã um ano que ocorreu o brutal atentado do Hamas em Israel, que provocou a escalada que hoje temos pela frente.
  • No plano humanitário, o balanço é uma calamidade: mais de uma centena de reféns; milhares de mortes civis; milhões de deslocados; e mais de 60% da infraestrutura de Gaza destruída.
  • No plano político regional, a legitimidade para Israel retaliar é indiscutível, ainda que a sua ação seja desproporcionada: um Estado de direito, mesmo em guerra, tem regras a cumprir.
  • No plano internacional, há três factos a lamentar: a ONU atingiu o ponto mais alto da sua descredibilização; a UE não tem qualquer voz na matéria; e a administração americana está condicionada por ter eleições à porta. É a desregulação total.
  • No plano do futuro, há riscos sérios pela frente: o risco de uma guerra regional; o risco de uma crise energética; o risco de ficar definitivamente prejudicada a solução dos dois Estados; e o risco de esta situação ter influência nas eleições dos EUA.

 

  1. Esta eventual influência pode vir a ser decisiva nos resultados eleitorais:
  • Um cessar-fogo na região beneficiaria Kamala Harris. Por isso, Biden empenhou-se na sua concretização. Ao contrário, o agravamento do conflito pode beneficiar Donald Trump. O ex-Presidente gosta de afirmar que durante a sua presidência o mundo estava mais seguro e que a fraqueza de Biden é que levou a esta situação. Apesar da demagogia da ideia, a verdade é que a escalada mais recente encaixa bem nesta narrativa.
  • Acresce que o primeiro-ministro israelita Netanyahu prefere Trump a Kamala. Tudo fará, por isso mesmo, para "ajudar" à eleição do ex-Presidente.
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