Opinião
Marques Mendes: Ventura não consegue estar à altura da responsabilidade de ter 50 deputados
As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2025, as novidades nos transportes públicos, o plano para os média entre outros temas.
A PROPOSTA DE ORÇAMENTO
Três destaques: profissionalismo, continuidade e mudança.
Primeiro, o modo muito profissional, tranquilo e a tempo e horas como o OE foi apresentado. Devia ser sempre assim.
Segundo, este OE tem uma linha de continuidade em relação ao passado: no excedente, na dívida e no aumento da despesa. É normal: a boa cultura das contas certas; as promessas eleitorais; e os berbicachos herdados em várias corporações.
Terceiro, há também uma linha de mudança. Esta é a novidade do OE. Mudança de estratégia e de visão para a economia. Este OE não se resume a gerir a distribuição de riqueza. Ele dá um sinal de aposta na criação de mais riqueza, no crescimento económico e na competitividade. Isso vê-se na redução do IRC, nos apoios às empresas e no acordo de concertação social.
Claro que é um sinal ténue. O Governo é minoritário e nas negociações teve que ceder. Mas o sinal está lá e isso é novidade.
Posto isto, há alguns dados relevantes a reter:
No plano macro, o destaque vai para um novo excedente e para a trajetória de redução da dívida. Uma nova cultura em Portugal.
Para as famílias, 2025 será um bom ano. No plano salarial e fiscal. Desde logo pela atualização dos escalões do IRS, um alívio fiscal.
Nos jovens, o "novo" IRS é abrangente, faltando saber se é eficaz.
Nas pensões, a novidade é a probabilidade de um novo suplemento de pensões em 2025. Uma justa proposta socialista.
Nas empresas está o maior sinal distintivo deste OE. No IRC geral, no IRC das PME, nos incentivos à capitalização.
Uma coisa é certa: se este OE for aprovado, a sua execução é um grande desafio para o MF. Vai ser preciso pulso forte para o executar.
PS VAI VIABILIZAR O OE?
Se o critério de decisão for o interesse do País, este OE passa. Primeiro, porque não é justo chumbar o 1.º OE de qualquer governo, seja ele chefiado por Montenegro ou fosse ele liderado por Pedro Nuno. Segundo, porque é um perigo ter uma crise política num tempo de tanta instabilidade lá fora. Sobretudo no Médio Oriente e nos EUA, onde Trump pode mesmo ganhar a eleição. Finalmente, porque o OE é equilibrado e o PS até já teve várias vitórias na negociação. Mas se o critério de decisão forem os tacticismos e os jogos políticos tudo pode acontecer.
Pedro Nuno Santos tem uma vida difícil. Não é fácil ser líder da oposição depois do trauma de o PS perder o poder, ao fim de oito anos de governação. Mas para se ajudar a si próprio, PNS tem de ter em conta três questões importantes:
Primeiro, a união do partido. O PS está muito dividido. Quer nos deputados, quer nas Federações distritais. Incluindo nos apoiantes do líder. Ora ir para eleições com um partido dividido não é uma grande ideia. E já se percebeu que viabilizar o OE une mais o PS que a ideia de abrir uma crise.
Segundo, a autonomia estratégica do PS. O líder está preocupado em não perder autonomia estratégica. Tem razão. Mas convém pensar: viabilizar um OE nestas circunstâncias não subtrai. Até soma. Não só não perde autonomia estratégica, como ainda ganha credibilidade e sentido de Estado. A ideia de colocar o País em primeiro lugar é sempre politicamente gratificante.
Terceiro, a coerência. PNS passou a última campanha a desconfiar do Não é Não de LM. Agora que o PM cumpriu o prometido e se afastou do Chega, não é coerente que PNS tente empurrar o Governo para os braços do Chega no OE.
A POLÉMICA VENTURA/MONTENEGRO
Ventura diz que o PM lhe propôs um acordo. Montenegro diz que é mentira. Formalmente é a palavra de um contra a palavra de outro. Na prática é diferente. A palavra do PM é credível: Montenegro tem sido consistente a praticar o NÃO É NÃO; e a palavra de Ventura está pelas ruas da amargura: Ventura faz "piruetas" discursivas todos os dias. Por isso, ou Ventura tem provas do que diz, ou o país não leva a sério as suas palavras.
Mas isto é um fait-divers. A questão de fundo é outra: André Ventura não consegue estar à altura da responsabilidade de ter 50 deputados na AR.
O líder do Chega teve um grande mérito no resultado de 10 de março. Ter 50 deputados é obra. Mas é também uma grande responsabilidade. O que se exigia é que o líder estivesse à altura desta responsabilidade. Mostrando coerência, maturidade e credibilidade. Só que isso não tem acontecido. São piruetas permanentes. Às vezes chega mesmo ao grau zero da política.
Finalmente, há uma última questão que "perturba" André Ventura e Pedro Nuno Santos. Eles estão ambos desconfortáveis no tema do OE.
Ventura está com medo de eleições. Pedro Nuno está com medo de ser muleta do governo. Isto faz com que ambos andem "embrulhados" nas manobras orçamentais.
Ao contrário, LM está confortável com os dois caminhos possíveis: ou aprovação do OE ou eleições. Quer o OE aprovado, mas não desdenha eleições se para tal for empurrado. Por isso, é claro e consistente. E duas sondagens desta semana mostram isso mesmo: Montenegro está a subir; Pedro Nuno e Ventura estão a descer.
NOVIDADES NOS TRANSPORTES PÚBLICOS
Em 2025, vamos ter também novidades importantes nos transportes públicos. Novidades que em muito vão facilitar a vida das pessoas:
O Passe Social +, uma boa iniciativa do governo anterior, muda de nome e vai ser melhorado. Só se aplicava às Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto. Vai agora ser alargado a todo o continente.
O Passe Jovem, outra boa iniciativa do passado, só se aplicava a estudantes até aos 23 anos. A partir de agora, é alargado a estudantes e não estudantes.
Mas a grande inovação é na ferrovia: a criação do novo Passe Ferroviário Verde.
É uma medida socialmente ousada. O passe custará apenas 20€/mês e dará para circular em todos os comboios, com exceção do Alfa Pendular. A previsão é que possa beneficiar quase 30 milhões de utilizadores e traduzir-se em poupanças grandes, quer para estudantes, quer para trabalhadores.
É uma medida de forte aposta na sustentabilidade ambiental. Esta medida vai na direção certa: desincentivar o uso do carro particular; e estimular a maior utilização do comboio. Finalmente, depois de anos de hesitações ou de políticas erradas, o país começa a ganhar consciência ambiental e o Estado começa a agir na direção certa.
NOVO PGR
O novo PGR tomou posse. Numa cerimónia sem novidades de maior. Também não eram expectáveis. A grande novidade já tinha sucedido: a escolha de Amadeu Guerra. E a maior de todas espera-se que suceda no futuro: um funcionamento mais eficaz do MP. No entretanto, fica um discurso que não foi de circunstância. Foi um discurso claro, de quem tem pensamento próprio, com bons objetivos e intenções na direção certa. Oxalá sejam indícios de mudanças.
Em qualquer caso, há um facto a registar: o novo PGR tomou posse a tempo e horas. Não foi preciso que a ex-PGR ficasse interina e em gestão, dias ou semanas, por atraso na nomeação do seu sucessor. Ao contrário do que, infelizmente, está a suceder em vários outros cargos importantes do Estado.
Diretor Nacional da Polícia Judiciária – à espera de decisão há vários meses; Diretor Geral dos Serviços Prisionais – em regime de interinidade; S. G. do SS Interna – lugar vago há meses; Diretor Nacional do SIRESP – cargo por preencher há vários meses.
Tudo isto é anormal. Tudo isto dá uma má imagem do Estado. Tudo isto pode afetar o funcionamento das respetivas entidades. O Governo devia dar prioridade a este assunto e corrigir rapidamente estas anormalidades.
PLANO DE AÇÃO PARA OS MEDIA
O plano tem coragem e virtualidade, mas pode gerar falsas ilusões.
Primeiro, a coragem. O Governo fez o que o governo anterior sempre receou fazer. Porque esta matéria é polémica. E, sendo polémica, o mais confortável é adiar. Fazer o contrário é coragem.
Depois, a virtualidade. O setor dos media vive uma crise séria: a publicidade caiu a pique; os jornais correm o risco de desaparecerem; a imprensa regional está a morrer; as redes sociais e os gigantes tecnológicos são adversários fortíssimos dos media tradicionais; e há concelhos do país onde jornais já nem sequer chegam. Perante isto, nada fazer seria um erro. É a qualidade da democracia que está em causa.
Terceiro, as falsas ilusões. Este plano é uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente. Se jornais e televisões não souberem reinventar-se ou não quiserem reinventar os seus modelos de negócio, este plano vai servir para pouco.
Finalmente, há quem não aprecie este tipo de intervenção, alegando que compromete a independência dos media. Compreendo o raciocínio, mas não o acompanho. Admitir que, com estes apoios o Governo "compra" a independência dos media parece-me um exagero. Provavelmente, até sucederá o contrário. Para fazerem prova de independência, os media até podem ser mais exigentes com o governo. Basta conhecer um pouco a lógica das redações.