Opinião
Estamos muito vulneráveis às incertezas externas
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala da vulnerabilidade externa da nossa economia, das eleições presidenciais nos EUA e do debate do Orçamento do Estado, entre outros temas.
ELEIÇÕES NOS EUA
- Parece impossível, mas não é. Apesar de ser um exemplo de falta de decência na política, de não respeitar as regras básicas da democracia e de ser o autor moral do ataque ao Capitólio, Trump pode ganhar esta eleição. Em circunstâncias normais devia estar já derrotado. Todavia, as sondagens apontam para um empate. Em larga medida porque as duas maiores preocupações dos americanos o favorecem: economia e imigração.
- A economia americana não está mal. O PIB até está a crescer 2,8%. O desemprego está a baixar. Mas a perceção pública, por causa da inflação, é que Trump geriu melhor a economia que Biden. E em política, as perceções pesam mais que as realidades.
- A imigração é a outra grande questão. A perceção pública é que está descontrolada e que rouba empregos. Tudo isto favorece Trump. Apesar dos seus defeitos políticos.
- Claro que Kamala pode vencer, se os Democratas mobilizarem fortemente as mulheres, por causa do aborto. Aí reside a sua maior esperança. Nunca a questão dos direitos das mulheres foi introduzida com tanta força numa eleição presidencial.
- No entretanto, a pergunta capital: é assim tão má a vitória de Trump? Afinal, o que une e separa os dois candidatos?
- Primeiro, une-os a China. É o grande inimigo estratégico dos EUA. Ambos querem combater o crescimento chinês.
- Segundo, une-os a economia. Ambos querem proteger as empresas dos EUA. Trump quer mais taxas alfandegárias sobre importações. Kamala quer mais subsídios para as empresas exportadoras. Mas Trump consegue o pior: institucionalizar o protecionismo e combater a globalização.
- Separa-os, para além da decência e da democracia, a Europa e NATO.
- A vitória de Trump reforça Putin, prejudica a Ucrânia e fragiliza a Europa. Enfraquece a NATO e obriga a UE a gastar mais em defesa. Vai obrigar a que no futuro haja verbas dos fundos de coesão a serem "desviadas" para a segurança. Mata o multilateralismo e reforça o populismo. As forças de direita radical na UE vão ganhar muita força. Um pesadelo á vista.
- Se Trump ganhar, a grande vítima é a Europa. Não está preparada para um abalo destes na relação transatlântica. Daí o medo que está instalado nas principais capitais europeias.
O PRESIDENTE DA CM DE LOURES
- O Presidente da CM de Loures disse, a respeito da violência das últimas semanas: "despejo, sem dó nem piedade, para quem tenha participado nestes acontecimentos. Se for ele o titular do arrendamento, é para despejar, ponto final parágrafo". Esta frase, dita por um dirigente do Chega, não espantava. Dita por um autarca do PS leva a questionar: porquê esta declaração? A razão é clara: os autarcas estão preocupados com a segurança e com as suas consequências eleitorais.
- Não subscrevo o caminho defendido pelo autarca. Por razões humanas e jurídicas. Mas isto não significa que ele se tenha transformado num perigoso radical. Ele está apenas a tratar de garantir a sua eleição.
- Há um problema sério de perceção pública de insegurança na AM de Lisboa e do Porto. Perceção que se agravou com os últimos acontecimentos. As pessoas sentem que a insegurança aumenta e acham que nada está a ser feito para a combater.
- Assim, as próximas vítimas políticas da situação podem ser os Presidentes de Câmara. Correm o risco de perder eleições. E, como não querem perder, lançam mão do discurso securitário. Não é uma questão de convicção. É uma questão de proteção. Agora foi um autarca do PS. A seguir será do PSD. E por aí fora.
- Mas a questão é mais séria: se a frase do autarca de Loures for avaliada numa sondagem, desconfio que a maioria dos portugueses dirá que concorda com ela. Prova de que os portugueses são radicais? Nada disso. Prova sim de que estão preocupados com a insegurança. O que obriga a enfrentar o problema. A esquerda acha que o essencial é a integração social. A direita privilegia o policiamento. Eu diria que as duas ações são necessárias. Ao mesmo tempo. E quanto mais cedo melhor.
O DEBATE DO ORÇAMENTO
- Como se esperava, o debate do OE não teve história. O resultado estava anunciado. Como destaques tivemos três realidades:
- O PM, que fez do debate um passeio. Vê-se que Montenegro está cada vez mais confiante e assertivo. A sondagem da véspera reforçou-o ao revelar que é o político mais popular de todos.
- Pedro Nuno Santos, que fez um bom discurso de encerramento. Foi claro e equilibrado nas prioridades futuras. Vê-se que aposta tudo nas próximas eleições autárquicas.
- André Ventura, que fez o número habitual. Percebe-se que a insegurança é agora o seu tema principal.
- Daqui até à votação final, temos uma certeza e duas dúvidas:
- A certeza é que acabou a ideia de crise política. Vamos ter OE, o primeiro e provavelmente o único OE aprovado nesta legislatura; vamos ter estabilidade por mais um ano; e não vamos ter eleições antecipadas.
- A primeira dúvida é o que vai suceder ao IRC. Vamos ter uma redução de 1 pp? Vamos ter uma redução de 2 pp? Ou não vamos ter qualquer redução? Se houver um mínimo de coerência, o PS abstém-se nesta votação. Afinal, o Governo reduziu de 2 pp para 1 pp a baixa do IRC para satisfazer a exigência do PS. Se não houver coerência, tudo pode suceder, incluindo o PSD voltar ao cenário inicial e apresentar, ele próprio, uma proposta de redução de 2 pp.
- A segunda dúvida é nas pensões. Vamos ter um aumento extraordinário a somar à atualização legal? Tudo aponta nesse sentido. O PS e o Chega querem; o Governo não se opõe; a situação da Segurança Social permite-o; e a medida é justa.
A CRISE DA VOLKSWAGEN
- O que mais me impressionou no debate orçamental foi a falta de atenção à adversa conjuntura internacional que temos. Com exceção do Ministro Nuno Melo, justiça lhe seja feita, todos se esgotaram na política doméstica. E, todavia, lá de fora, a começar na UE, vêm abundantes sinais de incerteza e instabilidade para a nossa economia. É preciso dar mais atenção à política externa. Ela é, cada vez mais, política interna.
- Na mesma semana em que se pré-anunciou uma crise no gigante alemão Volkswagen, é muito surpreendente que a AR passe ao lado do que se passa na Alemanha e do que isso nos pode afetar. Uma Alemanha em crise é um drama para as nossas exportações. Vejamos:
- O Grupo Volkswagen tem um volume de vendas anual (322MM€) que é superior a todo o PIB português (266MM€); e tem 115 fábricas a nível mundial, uma das quais em Portugal.
- O Grupo, com 684 mil trabalhadores, tem as vendas de automóveis em queda (-4,4% no espaço de um ano), assumindo dificuldades de competir, nos carros elétricos, com os seus concorrentes americanos e chineses;
- Em consequência desta situação, o grupo tomou decisões radicais: o encerramento de três fábricas na Alemanha (a 1ª vez na história do Grupo); o despedimento de milhares de trabalhadores; um corte salarial de 10%; e o congelamento dos salários em 2025 e 2026. Uma crise séria.
- Finalmente, as repercussões nacionais do caso: esta crise poderá afetar a AutoEuropa, em Palmela? Segundo o ministro da Economia, não: a produção atual está garantida e o ministro até está a tentar ir mais longe e atrair para Portugal o fabrico de um carro elétrico do Grupo.
A ECONOMIA E A HABITAÇÃO
- Os dados do INE sobre a nossa economia não são brilhantes e revelam três sérias realidades:
- A primeira é que o crescimento em cadeia, trimestre a trimestre, é muito reduzido (0,2%). Estamos quase estagnados.
- A segunda é que no crescimento homólogo – 2024 comparado com 2023 – estamos melhor que a média da UE, mas bem pior que a vizinha Espanha e abaixo do expectável.
- A terceira é que estamos muito vulneráveis às incertezas externas. Se a conjuntura externa se agravar, a economia nacional ressente-se, cumprir o Orçamento será mais difícil e o desemprego pode aumentar. O tempo que vivemos exige muita prudência e nada de facilitismo.
- Melhores informações são as que nos chegam do crédito à habitação:
- As taxas de juro estão a descer há um ano. O ponto mais alto já foi atingido em outubro de 2023.
- O alívio nas prestações é significativo: na Euribor a 6 meses, os beneficiários de crédito à habitação estão hoje a pagar menos 100€/mês do que há um ano; e, na Euribor a 12 meses, o alívio na prestação ao banco é ainda maior – menos 130€/mês do que há um ano.
- Em conclusão: o alívio está a ser mais rápido do que se previa e a tendência é para prosseguir. Uma boa esperança para milhares de portugueses.