Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre o Orçamento do Estado para 2019, da remodelação do Governo e da polémica de Tancos, entre outros temas.
BALANÇO DO ORÇAMENTO
- Conhecido o Orçamento, vejamos agora, do ponto de vista das pessoas, das empresas e do país, o que há de melhor e de pior neste documento:
a) O MELHOR:
- Aumento das pensões – Os pensionistas são dos mais beneficiados com este OE. Com dois aumentos: um que resulta da lei e outro que é extraordinário. Uma medida justíssima.
- Redução dos passes sociais – É talvez a medida mais eficaz, mais racional, mais inteligente e com maior impacto eleitoral deste Orçamento.
- Melhoria da situação das famílias – Em 2018, o impacto no OE dos apoios às famílias era de 700 milhões. Em 2019 será de quase mil milhões (972).
- Incentivos ao regresso de emigrantes – Falta saber se esta medida é muito ou pouco eficaz. Mas é uma medida na direcção certa. Precisamos de atrair imigrantes qualificados.
- Défice próximo de zero – Pode-se discordar da forma de atingir este défice. E se não se poderia ter ido mais longe. Mas a decisão é correcta e é histórica. Nunca tivemos défice 0 em democracia.
b) O PIOR:
- Baixo crescimento em relação à UE – Estamos a crescer. É bom. Mas há 20 países na UEE a crescer mais do que nós. Em termos de comparação, estamos a perder.
- Redução ligeira da dívida pública – Em percentagem do PIB a dívida baixa ligeiramente. Mas em termos absolutos até aumenta e muito (3,2 mil milhões de euros). Podíamos ter ido mais longe.
- Degradação dos serviços públicos – Esta é a marca dos orçamentos anteriores. Vai manter-se. Vamos ter muitas cativações. Uma coisa é o orçamento apresentado, outra é o orçamento executado.
- Falta de apoios às empresas – As empresas são, de novo, o parente pobre do Orçamento. Só existe, de positivo, o fim do PEC. Em 4 Orçamentos, as famílias tiveram apoios da ordem dos 3 mil milhões de euros; as empresas, no mesmo período, tiveram apenas 900 milhões. E são elas que criam riqueza e emprego.
- Manutenção de elevada carga fiscal – É a maior falha deste Orçamento. Continuamos com impostos muito elevados. Demasiado elevados para o nosso nível de vida. E, desta vez, nem os escalões do IRS são actualizados face à inflação.
2) Reformas antecipadas – A última trapalhada
- Os parceiros anunciaram, nas negociações do OE, que o regime das reformas antecipadas seria melhorado. O Governo não desmentiu.
- Conhecido o OE, o Ministro dá uma versão diferente – afinal, na prática, em vez de melhorar, o regime existente ainda é mais restringido.
- Este ADN do Governo já tem precedentes graves: foi com o Infarmed; foi na contagem do tempo dos professores; foi nos impostos sobre os combustíveis. Prometeu-se uma coisa e faz-se outra. É a governação do equívoco. É equivocar para reinar.
DÉFICE HISTÓRICO
Que o OE tem medidas necessárias e justas, não há dúvidas; que tem um défice histórico, claro que sim. A questão de fundo é: esta situação é sustentável no futuro? Mais do que as palavras, falam os números.
Vale a pena analisar a evolução da despesa e da receita pública em 10 anos (Quadro 1).
- Primeiro – De 2009 a 2019, a despesa subiu 3 mil milhões de euros – de 88,1 mil milhões para 91,1 mil milhões (3,4%).
- Segundo – De 2009 a 2019, a receita subiu quase 20 mil milhões de euros – de 70,9 mil milhões para 90,7 mil milhões (+28%), através de mais impostos e de maior crescimento económico. Metade deste crescimento (14%) foi nos últimos 4 anos.
- Terceiro – A redução do défice fez-se exclusivamente pelo lado da receita, ou seja, dos impostos. É que a despesa até aumentou.
- Quarto – Assim, quando houver um arrefecimento da economia, Portugal corre o sério risco de voltar a ter défice. É que as receitas quebram, mas as despesas estão lá e dificilmente são contraídas face à sua rigidez. Corre-se o risco de haver um défice 0 de curta duração. Esta é que é a grande dúvida deste e dos anteriores orçamentos. Este défice é sustentável? Cada um tirará as suas conclusões.
PAGAMOS IMPOSTOS A MAIS?
- Temos uma carga fiscal elevadíssima em percentagem do PIB. Toda a gente o sabe. Mas isto, dito assim, diz pouco às pessoas. A grande questão é: em termos de esforço fiscal, os portugueses estão a fazer mais ou menos esforço que a generalidade dos europeus? Para responder, temos que analisar o esforço fiscal relativo de cada país. Esforço fiscal relativo é um indicador que mede a carga fiscal de cada país em comparação como seu nível de vida, medido pelo PIB per capita (Quadro 2).
- Analisado no quadro europeu, o que temos?
a) Primeiro: estamos 19% acima do esforço fiscal média da Europa a 28. O que significa que para o seu nível de vida os portugueses estão a fazer um esforço fiscal superior ao da média dos europeus.
b) Segundo: só há 5 países em situação pior que a nossa (Grécia, Croácia, Bulgária, Hungria e Polónia). 22 países estão melhor que nós.
c) Terceiro: mesmo os países nórdicos (Finlândia, Dinamarca e Suécia) conhecidos por terem uma elevada carga fiscal, fazem um esforço fiscal inferior ao nosso, porque têm um nível de vida muito superior ao português.
d) Quarto: a Irlanda (que devia ser o nosso exemplo) tem um esforço fiscal muito aquém do da média europeia (31%). É o melhor do ranking.
- A aprovação do Orçamento
a) Sucederá o que sempre previ – BE e PCP a favor; PSD e CDS contra.
b) A meia surpresa foi a posição de Rui Rio:
- Fez uma análise correctíssima – exaustiva e bem fundamentada.
- Faltou-lhe, porém, a segunda parte do discurso – Faltou dizer o que faria de diferente se fosse Governo. Quais seriam as suas prioridades? As empresas? A parte fiscal? O investimento na saúde? Tudo junto? Outras prioridades?
- Um líder da oposição não se pode limitar a criticar. Tem de apresentar alternativas. Espera-se que ainda o faça.
CONSEQUÊNCIAS DA REMODELAÇÃO
Três apontamentos:
- Primeiro: Ministro da Defesa – Não podia começar melhor o seu mandato – conseguiu substituir e com rapidez o CEME. Ganhou poder e autoridade.
- Segundo: Polémica com o novo SEstado da Energia
- Primeiro: é um homem feliz. Queria ser ministro. Até tinha pedido através dos jornais. O Ministro e o PM fizeram-lhe a vontade.
- Segundo: não vejo qualquer problema em não ser especialista em energia. Até pode ter uma vantagem – não tem os vícios do sector.
- Terceiro: desta vez, não haverá um Sec. de Estado tão protagonista como antes. É que agora há Ministro da Energia. Há quem mande.
- Quarto: Matos Fernandes é dos melhores Ministros do Governo. Dos mais sólidos e competentes. Já marcou a agenda da energia com uma entrevista ontem ao Público e com um discurso na sede da EDP. E mostrou que tem uma agenda diferente do passado recente – uma agenda virada para a transição energética.
- Ministro da Economia – "Perseguido" pela questão de eventuais incompatibilidades. Desta vez (na questão da sua mulher numa associação privada de Turismo) não existe qualquer incompatibilidade.
A CONFUSÃO DE TANCOS
- Saber sair, a tempo e horas e com dignidade, é uma arte e exige talento. Um talento que Rovisco Duarte não teve. Saiu tarde e saiu mal.
a) Já devia ter saído há um ano quando se deu o roubo de Tancos. Porque ele é o responsável funcional por tudo o que sucede no Exército.
b) Já devia ter saído há meses, quando a situação se foi agravando e ele acabou a dizer disparates e a fazer cenas tristes.
c) E só saiu agora – tarde e a más horas – porque o Ministro, e bem, o empurrou.
d) E pior. Em vez de sair com humildade, saiu com uma lamentável duplicidade de discursos. Ao PR, invocou razões pessoais. Aos seus pares, fez-se de vítima política. Até na saída foi um mau exemplo.
- Posto isto, há muito ainda a esclarecer. É preciso ir mais longe.
a) Há duas investigações criminais em curso: uma ao roubo; outra ao encobrimento do roubo. Devem continuar. Mas esta é a parte criminal.
b) Vai haver uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Muito bem. Mas essa é a parte da responsabilidade política.
c) Mas falta mandar fazer uma Auditoria ou uma Inspecção independente ao funcionamento da PJ Militar. Por que é que não colaborou com a PJ Civil? Por que é que exorbitou dos seus poderes e tentou encobrir um crime? Quem mandou? A quem deu conhecimento? Este foi caso único ou há precedentes?
- O novo Ministro tem o dever de tomar esta decisão. Se o fizer, presta um bom serviço. Se o não fizer e não houver uma boa explicação, a suspeita vai instalar-se. Quem não deve não teme.
DÚVIDAS DE CARLOS ALEXANDRE
- Tenho o Dr. Carlos Alexandre na conta de um grande magistrado. E mesmo no caso Marquês, em que é tão acusado, as suas decisões foram sempre confirmadas em recurso. O que significa que agiu bem.
- Posto isto, direi que o Dr. Carlos Alexandre é melhor a decidir que a falar. Sempre que abre a boca para dar uma entrevista "mete o pé na argola". Já tinha sucedido no passado. Voltou a suceder agora ao insinuar a existência de dúvidas sobre o sorteio que ditou o Juiz de Instrução do processo Marquês.
- O Juiz prestou um mau serviço a si próprio e à justiça. Se tinha dúvidas sobre a credibilidade do sorteio, deveria expor o assunto ao CSMagistratura, de forma oficial, e não pela televisão. Isto é o que faz uma pessoa responsável.
a) Primeiro: ao fazer alarido público, lançando dúvidas e especulações, o Dr. Carlos Alexandre gera nas pessoas menos entendidas dúvidas perigosas sobre a seriedade e a credibilidade do funcionamento da justiça. Prestou um mau serviço à imagem da justiça.
b) Segundo: e prestou um mau serviço a si próprio. Veio dar razão aos que dizem que Carlos Alexandre tem uma obsessão com o caso Marquês. Que se acha dono do processo. Que acha que só ele é que pode tratar deste processo. Ora, um Juiz só pode ter uma obsessão – a obsessão da lei. Nada mais.
c) Finalmente, só agradou a Sócrates e aos demais arguidos. É que estes só querem descredibilizar o processo. E Carlos Alexandre fez-lhes um favor.