Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O comentador fala sobre a polémica do Hospital de S. João, o Programa de Estabilidade e a guerra na Síria, entre outros temas.
A POLÉMICA DO HOSPITAL DE S. JOÃO
- Nesta polémica há que distinguir entre a "politiquice" e a falta de sensibilidade.
- A politiquice foi o que vimos esta semana: os partidos a atacarem-se uns aos outros, quando todos deviam ter mais um pouco de pudor porque todos têm culpas no cartório.
- Passaram 10 anos. E em 10 anos passaram, pelo menos, três governos. Ninguém resolveu este problema.
- Todos deviam ter um pouco mais de humildade e respeito.
- A questão importante é a falta de sensibilidade.
a) Primeiro: eu percebo que não haja dinheiro para aumentar os funcionários públicos, para apoiar a cultura, para fazer mais obras públicas. Agora, que não haja dinheiro para tratar como deve ser crianças com cancro, não há perdão possível. É falta de sensibilidade.
b) Segundo: passaram 10 anos desde que o problema existe. Que em 10 anos nenhum ministro tenha tido a sensibilidade para encontrar solução para este problema, não há desculpa. Vinte milhões é muito dinheiro mas não é assim tão difícil de arranjar quando se trata de crianças com problemas oncológicos.
- Este problema não é só do Hospital de S. João. Ou da cidade do Porto. É um problema que envergonha o país.
- O mesmo país que faz a Web Summit e que se orgulha de estar na primeira linha da inovação e do digital é o mesmo que deixa crianças com cancro serem tratadas nos corredores de um hospital.
- Um país com contrastes destes não é um país justo nem avançado. É um país a precisar de um banho de sensibilidade social.
PROGRAMA DE ESTABILIDADE GERA AGITAÇÃO
- A proposta de redução do défice de 0,9% para 0,7% é correcta ou é errada? Claro que é correcta.
- Primeiro, é um sinal de responsabilidade orçamental. Temos hoje menos défice do que tínhamos, mas ainda temos défice. E mais défice é mais dívida.
- Segundo, é um sinal inevitável. Então depois de reduzirmos o défice para 0,9% íamos deixá-lo subir de novo para 1,1%? Isso seria um sinal erradíssimo. E, com a fama que temos de laxismo orçamental, isso seria um desastre.
- Terceiro, se não aproveitamos o tempo de "vacas gordas" para reduzir o défice e a dívida, quando é que o fazemos? Isto é de meridiana clareza.
- Então porquê tamanha agitação na geringonça? Porque está tudo virado do avesso.
a) Primeiro: porque, em boa verdade, este é o PE que PSD e CDS fariam se estivessem no Governo e este é o PE que PS/PCP/BE rejeitariam se estivessem na oposição. Eles não podem dizer isso em público mas essa é a verdade.
b) Segundo: porque Mário Centeno mudou muito desde que é Ministro das Finanças e sobretudo depois de ir para o Eurogrupo. Hoje, Mário Centeno é praticamente igual a Vítor Gaspar. Tem a mesma obsessão pelo défice e até um discurso semelhante. Por isso, Mário Centeno é hoje apreciado à direita e criticado à esquerda.
CENTENO DIVIDE A GERINGONÇA
- Por que é que Centeno mudou tanto? Como disse na semana passada, porque tem uma estratégia pessoal e corre em pista própria.
a) Quer ficar na história como o MF que acabou com os défices em Portugal; e
b) Quer ser Comissário e Vice-Presidente Europeu. Logo, está empenhado em impressionar a Europa. Quer mostrar que é mais ortodoxo que os ortodoxos.
- Para o país isto é bom. Para a coligação é um problema. Esta semana isso ficou mais claro do que nunca.
a) Primeiro: Mário Centeno e António Costa têm neste momento discursos diferentes. Centeno tem um discurso de provocação ao PCP e BE. António Costa tem um discurso de moderação.
b) Segundo: Centeno fez de líder de oposição. Foi mais eficaz a dividir a coligação que Rio e Cristas.
c) Terceiro: Mário Centeno matou a coesão da coligação. Nunca mais a coesão entre PS, BE e PCP vai ser a mesma. Não há crise mas há mal-estar.
- Dito isto, há que acrescentar: se toda esta situação for bem gerida, até pode ser politicamente vantajosa para o PS.
- Porque reduz o espaço de manobra do PSD;
- Porque reforça o PS como um partido moderado e de centro (e é ao centro que se ganham eleições e se ganham maiorias absolutas).
VAI HAVER CRISE POLÍTICA?
Há muita agitação, sim. Mas não há nem haverá qualquer crise política.
- O que há é pirotecnia política. Foguetório político. É isso que o BE está a fazer. Está a distanciar-se do Governo. Mas não quer derrubar o Governo. Aliás, ninguém quer a queda do Governo – nem o Bloco, nem o PCP, nem o PSD, nem o CDS. Todos fogem de uma crise como o diabo da cruz.
- Tudo o que é essencial está adiado para Outubro, para o debate do orçamento para 2019. O próximo OE é um problema para todos.
a) Primeiro: é um problema para o Governo. E aqui o problema chama-se função pública. É a questão de saber se haverá aumento salarial para os funcionários públicos. Centeno não quer fazer qualquer aumento. António Costa admite um aumento de acordo com os valores da inflação. Esta é uma questão nuclear: porque é a base de apoio do PS e porque a função pública pode ser para António Costa a mesma dor de cabeça que as pensões foram para Passos Coelho em 2015 (o "corte" dos 600 milhões).
b) Segundo: é um problema para o PCP e BE. Porque querem negociar o OE e não sabem se há vontade de negociar e margem para negociar. É isso o que preocupa o BE e o PCP. Centeno insinua que não há margem negocial. António Costa é mais moderado. Qual a orientação que prevalece? A do PM ou a do MF?
c) Finalmente, é um problema para o PSD e o CDS. Com este Programa de Estabilidade, o espaço de manobra do PSD e do CDS reduziu-se ainda mais. Este é o PE que PSD e CDS fariam se estivessem no poder.
RUI RIO – 3 MESES DE LIDERANÇA
Fez na passada sexta-feira três meses que Rui Rio foi eleito líder do PSD. Num breve balanço, há aspectos positivos e negativos a destacar:
- Aspectos positivos
a) Os acordos de regime entre PSD e Governo, em matéria de descentralização e fundos estruturais, que vão ser celebrados na próxima semana.
- Com estes acordos, Rui Rio é coerente, presta um serviço positivo ao país e ganha credibilidade.
b) A criação do Conselho Estratégico, cuja composição foi esta semana anunciada. É certo que começa com dois defeitos.
- Primeiro, há muitas dúvidas quanto à eficácia desta nova estrutura. Vai gerar muitas descoordenações.
- Depois, na sua composição, apesar de haver muita gente competente, há passado a mais e futuro a menos – muitos nomes do passado, muita imagem do passado.
- Mesmo assim, é uma ideia central da estratégia de Rio e ele conseguiu concretizá-la.
- Aspectos negativos
a) Falta de ambição – Rio fala pouco. Tem poucas iniciativas. Vai pouco para o terreno. Faz pouca oposição. Isto é falta de ambição. Um sentimento que ficou mais patente quando há dias ele disse: "As eleições não se ganham, perdem-se". Isto é uma certa resignação. Não é uma imagem fantástica.
b) Falta criar uma imagem forte – Em três meses de liderança, Rio não deixou uma marca forte. Pelo contrário. Hoje a ideia que existe é de que o PSD é de certa forma irrelevante. Que conta pouco. Falta saber se consegue inverter esta imagem nos próximos meses. Ainda há tempo, mas pouco.
ACORDOS PSD/GOVERNO À VISTA
- O grande caso da próxima semana vai ser a assinatura de um ou dois acordos entre o Governo e o PSD: o acordo sobre Fundos Estruturais está já fechado entre o Ministro Pedro Marques e o Vice-Presidente do PSD Castro Almeida; o acordo sobre a descentralização ainda depende de uma reunião decisiva que amanhã mesmo, de manhã, haverá entre o Ministro Eduardo Cabrita e o social-democrata Álvaro Amaro.
- Qual a natureza do acordo sobre os Fundos? Este acordo é uma proposta que Portugal vai fazer à Comissão Europeia, com três pontos essenciais:
a) Objectivo: o objectivo é no sentido de Portugal tentar ter no próximo "pacote" de fundos o mesmo montante que teve no último ano – ou seja, 25 mil milhões euros (21 mil milhões dos fundos gerais e 4 mil milhões para a agricultura).
b) Proposta a fazer à Comissão: a proposta a fazer é no sentido de a UE aumentar em 20% as suas receitas. Ou seja, passar as suas receitas de 1% do RNB para 1,2% do RNB.
c) Que novas receitas? A proposta de Portugal, objecto deste acordo, é no sentido de as novas receitas passarem a resultar de:
- Lucros do BCE;
- Multas por violação das regras de concorrência;
- Reforço dos direitos aduaneiros;
- Criação de uma taxa sobre transacções financeiras ou sobre plataformas transnacionais do sector digital (Google, Facebook e outras).
- Em conclusão: este acordo PSD/Governo é bom. Reforça a posição de Portugal na Europa.
A GUERRA NA SÍRIA
- Faz sentido o ataque dos EUA/RU/França na Síria? Eu diria que é compreensível. E sobretudo que foi inteligente, porque foi um ataque contido:
- Não causou baixas civis;
- Só atacou alvos com armas químicas;
- Não atacou alvos russos ou iranianos (os aliados de Assad);
- Não sinalizou qualquer intenção de envolvimento na guerra da Síria ou na mudança do regime sírio.
- E teve um apoio muito forte da comunidade internacional – Apesar de Trump e do Brexit, os aliados continuam unidos.
- Vai mudar alguma coisa?
a) No plano da utilização das armas químicas, talvez. Este ataque pode ter um efeito dissuasor. Inibir o regime sírio de voltar a usar armas químicas.
b) No plano da guerra na Síria não terá qualquer efeito – Este conflito é altamente complexo. Mais complexo que um conflito EUA/Rússia.
- Primeiro, os interesses em jogo são vários e antagónicos: são questões religiosas; são questões de poder; são questões de liderança da região; são questões económicas; são questões energéticas.
- Segundo, os países envolvidos e interessados, directa ou indirectamente, são muitos – a Síria, o Irão, a Arábia Saudita, o Líbano, a Turquia, o Iraque, Israel, a Rússia. Para além dos curdos. Ou seja, para aqui confluem as potências regionais e globais.
- É esta complexidade que torna o conflito na Síria virtualmente insolúvel. Dificilmente tem solução. O que é uma tragédia em termos humanitários.
- Haverá uma escalada entre a Rússia e o Ocidente?
- Não é provável. Para já a reacção é positiva – Foi uma reacção política, no quadro da ONU. Pode ser uma reacção violenta. Mas é política, retorica e diplomática. Não é uma escalada militar.
- Em qualquer caso, há que ter muita prudência. Como disse António Guterres, vivemos um clima de guerra fria sem regras. E este ambiente, às vezes, pode tornar-se mais perigoso que a própria Guerra Fria.