Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. O O ex-ministro e antigo líder do PSD comenta o veto de Marcelo à lei de financiamento dos partidos, o debate Rio/Santana, a possível entrada da Misericórdia no Montepio, a polémica dos CTT e os desafios e os riscos para 2018.
O VETO DE MARCELO
- O PR fez o que se esperava – vetou a lei. Este veto presidencial é um grande serviço à democracia. Como dizia o jornalista Manuel Carvalho, num excelente artigo no Público, este veto envergonha e salva o Parlamento. Envergonha porque é um enorme puxão de orelhas à assembleia da República. Mas salva também o Parlamento porque lhe dá a oportunidade de se corrigir. E corrigir é fazer, sobretudo, duas coisas:
- Primeiro, promover um processo transparente;
- Segundo, não aumentar o volume do financiamento dos partidos.
- No plano das consequências, saem quase todos mal deste processo:
a) O PSD sai mal. O líder parlamentar vem agora dizer que decisões só depois de escolhido o novo líder do partido. Muito bem. Mas já devia ter sido feito isso antes. Mandava o bom senso que antes da primeira decisão tivesse consultado os dois candidatos à liderança. Como não o fez, sai agora desautorizado.
b) O PS sai igualmente mal. Está cheio de dívidas e tem problemas litigiosos por causa do IVA. Em vez de, como qualquer cidadão, recorrer aos tribunais e aguardar as suas decisões, tentou pela porta do cavalo, às escondidas, mudar a lei a seu favor.
c) O BE outro desastre. Votou a favor da lei sem ter feito qualquer reserva. Quando os problemas começaram, começou a demarcar-se do que tinha aprovado. Um hino à hipocrisia.
d) O PCP, justiça lhe seja feita, portou-se com mais carácter. Não tem nenhuma razão ao dizer que o processo foi normal e transparente. Mas, ao menos, foi coerente e não andou a dar o dito pelo não dito.
- Na última quinta-feira, para se defender das acusações de secretismo na feitura da lei, o Deputado Jorge Lacão veio invocar como semelhante o processo de revisão constitucional de 1997.
- A revisão de 1997 fez-se na base de um acordo público entre PS e PSD;
- Este acordo foi assinado em cerimónia pública;
- O processo legislativo levou meses na Comissão Parlamentar respectiva, sempre através de sessões públicas;
- A discussão e votação em plenário teve várias sessões públicas.
- Ou seja, este foi dos processos mais escrutinados de sempre. Nada que se compare à vergonha da lei do financiamento partidário.
O DEBATE RIO/SANTANA
- Neste debate há que distinguir entre as ideias e a combatividade. No plano das ideias, este debate foi um empate – não houve nada de novo, de parte a parte. Por isso, o debate não disse nada ao país e à generalidade dos portugueses. Mas, sejamos francos, é o habitual em debates do género. Foi também assim em 2014, no debate entre António Costa e António José Seguro.
- No plano da combatividade, é mais ou menos unanime que Santana Lopes bateu Rui Rio. E porquê?
- Santana Lopes foi para o debate com uma estratégia: queria falar para os militantes; queria estar ao ataque; e queria concentrar o confronto nas questões internas do partido e não nas questões políticas nacionais. E executou esta estratégia à risca.
- Rui Rio, ao contrário, parecia não ter qualquer estratégia para o debate. Era navegação à vista. Não só não desmontou as acusações do adversário como não usou dois argumentos que lhe podiam ser favoráveis:
- As sondagens feitas por órgãos de informação que o dão como o preferido dos portugueses para líder do PSD.
- O caso Montepio que pode suscitar algum desconforto a santana Lopes.
- O que muda com este debate?
a) No plano de quem já tinha decidido o seu voto, não muda nada. Não me parece que alguém vá mudar de sentido de voto por causa deste debate.
b) Mas muda a dinâmica da campanha, a favor de Santana Lopes:
- Os apoiantes de Santana ficam mais motivados e os apoiantes de Rio ficam algo desiludidos;
- E Santana pode ganhar apoios nos indecisos (que não serão muitos) e nalguns potenciais abstencionistas.
- Próximo debate
- A responsabilidade de Rui Rio aumenta. Tem que estar melhor do que esteve neste debate. Tem de combater esta dinâmica que agora se gerou. É como Passos Coelho nos debates com António Costa em 2015. Perdeu o primeiro. Compensou no segundo.
- E já agora espera-se que haja mais política e menos questões pessoais; mais futuro e menos passado; mais país e menos ajustes de contas.
- Rui Rio e a PGR
- Rio afirmou no debate que tem uma apreciação negativa do Ministério Público nestes últimos anos. Julgo que foi injusto.
- Durante anos, tivemos duas justiças: uma justiça para os poderosos e uma justiça para os não-poderosos. Nos últimos anos, com Joana Marques Vidal, tudo mudou.
- A justiça agora é mesmo igual para todos. Poderosos e não-poderosos. Políticos, governantes, banqueiros e gestores, ninguém tem escapado à malha da justiça.
- Rui Rio é um homem corajoso. Devia reconhecer publicamente a coragem que o Ministério Público tem tido.
MISERICÓRDIA NO MONTEPIO?
- A Misericórdia deve entrar no capital do Montepio? Eu diria o seguinte:
- Se a Misericórdia decidir adquirir 10% do capital do Montepio pelo valor que foi publicamente avançado (cerca de 250 milhões de euros), eu acho que este processo acaba num inquérito parlamentar e numa investigação judicial, por suspeitas, no mínimo, de gestão danosa.
- Tudo porque, em termos de mercado, 10% do Montepio não vale este valor (nem provavelmente metade). Se os responsáveis da Misericórdia não tiverem isto em atenção, serão inevitavelmente suspeitos de estarem a favorecer o vendedor e a fazerem uma gestão danosa da Misericórdia.
- Posto isto, eu diria que a Misericórdia não deve entrar no capital do Montepio (seja por aquele valor ou qualquer outro). Por uma razão de princípio e por uma razão de bom senso.
a) Razão de princípio – Não é nem missão nem vocação da Misericórdia ser dona de Bancos. O seu objectivo são as obras sociais. E não parece ser um investimento social "desviar" dinheiro que se destina aos pobres para aplicar no capital de Bancos.
b) Razão de bom senso – Investir em Bancos é um investimento arriscado. Às vezes quase um suicídio. Basta ver o que sucedeu com a resolução do BES e do Banif. E, quando não há resolução de bancos, há aumentos de capital. Quando as coisas correm mal, vai o dinheiro pelo cano abaixo. Será que o dinheiro que é destinado a ajudar os pobres deve ser investido em aventuras bancárias? Este é o risco próprio de um investidor financeiro, não de uma organização social.
- Finalmente, uma curiosidade: no tempo da troika, vimos os partidos mais à esquerda a criticar a entrada de dinheiro dos contribuintes nos Bancos. E, agora, só porque mudou o Governo, já acham bem que o dinheiro dos pobres vá parar ao Montepio?
A POLÉMICA COM OS CTT
Quatro apontamentos:
- Porquê a redução de lojas e de pessoal? Por uma razão essencial: estamos na era digital. Consequentemente, há menos cartas e mais emails. Nos últimos 17 anos o correio caiu 50%. De 1.400 milhões de cartas para 700 milhões. Se há menos receitas, é inevitável ter de cortar nos custos.
- Mas não há alternativas? Claro que há, sobretudo duas: a aposta nas encomendas e no comércio electrónico e a aposta nos serviços financeiros. É o que está a ser feito, mas leva tempo a surtir resultados. Por exemplo: o banco postal tem apenas dois anos de vida.
- E, se os CTT fossem públicos, não poderia ser diferente? Dificilmente. Vejamos os factos:
- CGD – A Caixa é 100% pública e mesmo assim também está a fechar balcões e a reduzir pessoal.
- CTT – Os CTT reduziram lojas entre 2002 e 2005 e entre 2010 e 2012. Nesses anos os CTT eram do Estado.
- O problema é estrutural. E quando assim é a natureza da propriedade da empresa não muda a realidade.
- E o serviço prestado às populações está a ser observado? Os CTT têm um contrato de concessão com o Estado, estando obrigados, desde logo, a: cumprir um serviço de qualidade; não reduzir postos para além do permitido.
- Este contrato de concessão é fiscalizado pela ANACOM. Que pode intervir, aplicar sanções e até propor o resgate da concessão.
- Até ao momento, a regulação não falou em incumprimento da concessão.
DESAFIOS PARA 2018
- Temos geringonça até 2019? É o mais provável, embora com muitas picardias e divergências. Ninguém vai querer ser penalizado por abrir uma crise política.
- O novo líder do PSD afirma-se? Se quiser sobreviver no futuro, tem de afirmar-se. E já este ano. Se o PSD entrar em 2019 muito distanciado do PS, já não terá recuperação possível e o PS poderá chegar à maioria.
- A coabitação Marcelo/Costa mantem-se? Seguramente. É do interesse de ambos e do interesse nacional.
- O julgamento de Sócrates começa? Julgo que só começará em 2019. Este ano teremos debate instrutório (uma espécie de pré-julgamento) que provavelmente terminará com a decisão de levar os acusados a julgamento.
- E o de Manuel Vicente faz-se? Faz-se e com grande ruído nas relações Portugal/Angola. Os políticos de Angola queixam-se e é compreensível. Mas os políticos de Portugal nada podem fazer porque a justiça é independente.
- Quem vai substituir Joana Marques Vidal?A PGR tem feito um excelente mandato. Nunca a investigação judicial foi tão livre e corajosa. Apesar de, em privado, Joana Marques Vidal afirmar que não quer fazer um segundo mandato, é obrigação do Governo propor a sua recondução.
- O BE vai aproximar-se mais do PS? Essa é a grande questão para a Convenção do BE a realizar antes do Verão. Uma coisa é certa: o BE está mortinho por entrar no Governo.
- O roubo de Tancos será esclarecido? Passaram seis penosos meses. Já houve adiamento a mais e esclarecimento a menos. Era tempo de o Parlamento ponderar um inquérito parlamentar.
- A reforma da Proteção Civil avança mesmo? Espera-se que sim. Mas também se espera que o Governo venha oportunamente explicar o que em concreto vai mudar.
- Portugal irá à final do Mundial de Futebol? Isso não será fácil. Mas acredito numa boa prestação. Temos excelentes atletas e um óptimo seleccionador.
- Que efeitos terá no Benfica a questão dos e-mails? No futuro ninguém sabe. No presente, tem já um efeito claro: mina a credibilidade do Benfica.
OS RISCOS DE 2018
- As loucuras de Trump – O Presidente dos EUA é o factor de maior risco e incerteza no mundo. E está cada vez mais acossado pela questão russa.
- O impasse da Catalunha – De impasse político pode passar a encruzilhada económica. O Banco Nacional de Espanha acabou de avisar.
- A incerteza do Brexit – Até ao fim, é sempre um factor de risco. Ninguém sabe como e quando termina este processo. No entretanto, muita atenção! Está em curso uma remodelação no governo britânico. Pode influir no Brexit.
- O conflito com a Coreia do Norte – É um perigo muito forte. De dois loucos tudo é de esperar.
- As eleições em Itália – Mais um pesadelo para a Europa. Há o risco de uma vitória populista e eurocéptica.
- A falta de governo na Alemanha – Outro risco. Há meses que a Alemanha não tem Governo. E sem Governo na Alemanha não há decisões na Europa. No entretanto, começaram hoje mesmo, em Berlim, as negociações entre a CDU e o SPD para um governo da Grande Coligação.
- A mudança de líder no BCE – A substituição de Mario Draghi é só em 2019. Mas prepara-se já este ano. E esta mudança pode gerar instabilidade.
- A evolução em Angola – Qualquer revolução gera sempre incerteza. E o que está a acontecer em Angola é uma revolução maior do que se imagina.
- A reforma da Zona Euro – Enquanto não se fizer, será sempre um factor de incerteza.
- A subida das taxas de juro – Que as taxas de juro vão subir toda a gente sabe. Só não sabemos quando. Mas convém começar a prevenir antes que seja tarde para remediar.
NOTAS FINAIS:
- Défice e dívida pública – Ao que apurei, o défice de 2017 ficará em 1,2% do PIB. E a dívida em 126,2%. Bons resultados.
- Indemnizações pelos incêndios – O exercício de um eventual direito de regresso não significa pedir às famílias das vítimas devolução do valor pago, mas sim a terceiros que a justiça considere responsáveis.
- Saudação a Nuno Brito – O Embaixador do Ano. Um excelente diplomata.