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29 de Outubro de 2017 às 21:42

Notas da semana de Marques Mendes

As notas da semana de Marques Mendes nos seus comentários na SIC. Fala da greve geral, da moção de censura, da relação entre Presidente e primeiro-ministro e da Catalunha.

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COSTA E MARCELO ÀS AVESSAS?

 
Primeiro, a perplexidade. No espaço de uma semana, o Governo teve duas reacções contraditórias em relação à intervenção do PR. Uma, a oficial, no dia seguinte à intervenção. Falando no Parlamento, o Governo pareceu concordar com o Presidente. Colou-se a ele no tom, no estilo e no conteúdo; uma semana depois, vem na imprensa uma reacção oficiosa – afinal, o Governo estaria chocado com o Presidente. Ou seja: numa semana tivemos um ziguezague.


Segundo, a compreensão. Mesmo assim, não me surpreende este ziguezague do Governo. Os governos, quando estão com dificuldades, tendem sempre a encontrar uns bodes expiatórios. E muitas vezes os bodes expiatórios são os Presidentes da República. Os governos adoram ter um PR que seja uma espécie de rainha de Inglaterra.


Terceiro, a falta de inteligência desta reacção do Governo. Esta atitude do Governo já foi considerada um tiro no pé, um erro ou um disparate. Eu diria que é tudo menos uma atitude inteligente. Por três razões simples:


a) A começar: a história ensina-nos que comprar uma "guerra" política com um Presidente da República nunca é uma atitude inteligente da parte de um Governo. Por maioria de razão com um Presidente altamente popular como é Marcelo Rebelo de Sousa.

b) Depois, se quer ganhar eleições e até tentar uma maioria absoluta, o PM precisa de entrar no eleitorado moderado do centro. Aquele que é, por natureza, o eleitorado de MRS. Aquele que aprecia sobremaneira uma boa coabitação saudável. Marcelo funciona, pois, como uma espécie de "fiador" ou de "avalista" de Costa junto do eleitorado moderado. Se esta relação se quebrar e se esse estatuto se perder, António Costa fica demasiado encostado à esquerda e perde eleitoralmente.

c) Finalmente, António Costa está, neste momento, muito fragilizado. Mas vai querer recuperar. E a única forma que tem de recuperar não é pela "guerra" política. É, sim, pela acção concreta. Se ele for capaz de dar respostas concretas na recuperação das casas e das empresas destruídas pelos incêndios; na melhoria do combate aos fogos; na maior eficácia da prevenção; aí, sim, ele recupera. Se, ao contrário, não for capaz ou se enveredar por "guerras políticas", então nunca mais recupera.


E o que vai suceder agora?

  • O regresso à normalidade. O regresso à cooperação institucional normal, como tem existido até agora. É do interesse de todos.
  • O que se passou foi uma reacção a quente, epidémica mas passageira. O que também é muito habitual em António Costa. Quantas vezes ele reage a quente, um pouco irritado, mas passa-lhe pouco tempo depois.
  • Há que compreender e dar um certo desconto: há dias ou semanas em que uma pessoa não devia sequer sair de casa. Tudo corre mal. Mas depois também tudo volta a passar. 

  

A MOÇÃO DE CENSURA

 
Foi um debate sem história, previsível e que passou completamente ao lado do país. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.

  • O Governo não sai nem melhor nem pior. Sai igual. Entrou fraco e saiu fraco. Ainda por cima teve de se defender sozinho, porque os seus parceiros optaram pelo mínimo dos mínimos – salvaram o Governo pelo voto mas não o defenderam nem o desculparam.
  • A oposição repetiu os argumentos já antes utilizados. Cumpriu a sua missão mas também não ganhou coisíssima nenhuma.
  • Os parceiros do Governo, PCP e BE, não disfarçaram que estão felizes: saíram feridos de asa nas autárquicas e foram compensados agora com a "pancada" que o Governo levou. Ou seja, isto é uma lógica de casos comunicantes; quando o Governo está mais fraco, os seus parceiros ficam mais fortes. E vice-versa.

A única novidade veio do Primeiro-Ministro. António Costa esteve muito diferente do que lhe é habitual. Via-se que estava psicologicamente em baixo, abatido, sem rasgo e sem a energia habitual. Prova de que estes momentos o afectaram mesmo. Como diz o ditado, "elas não matam mas moem".

 

 

GOVERNO PS/BE NO FUTURO?

 
No debate da Moção de Censura, o PM disse expressamente: "Os votos do PS e do BE ainda não formam uma maioria neste Parlamento".  Esta frase passou relativamente incógnita. E, todavia, é uma frase altamente premonitória. Ela prenuncia o futuro. Estamos a caminho de uma mudança de paradigma no modelo de governos em Portugal.


No futuro, vamos ter cada vez menos governos de maiorias absolutas de um só partido. É cada vez mais difícil obter uma maioria.

  • No futuro, vamos ter cada vez menos governos minoritários. É uma solução em vias de extinção.
  • E vamos ter cada vez mais governos de coligação: à esquerda e à direita.
  • No futuro, os governos vão oscilar entre dois tipos de coligação; uma, mais à direita, a coligação PSD/CDS; outra, mais à esquerda, a coligação PS/BE.
  • Ou seja, a tendência para o pós 2019 é inevitável. O PCP suporta o Governo mas está cada vez mais a caminho da oposição; o BE suporta o Governo e está cada vez mais perto de nele vir a participar.

 

A GREVE DA FUNÇÃO PÚBLICA

 
Há nesta greve um lado político e um lado de injustiça relativa.


a) O lado político: este é o lado da ofensiva política do PCP no mundo do trabalho. Estas greves são muito influenciadas pelo PCP e pelo seu braço sindical, a CGTP. A regra é esta: quando o PCP perde nas urnas compensa na rua com greves e manifestações. Perdeu nas autárquicas, compensa agora com um período que há-de ser longo de greves e mais greves.

b) O lado de injustiça relativa: esta greve mostra que, em matéria de trabalhadores, há dois países – o país dos funcionários públicos e o país dos trabalhadores privados. E isto é que gera injustiça relativa.

  • Os funcionários públicos não podem por lei ser despedidos. Têm emprego garantido. Ao contrário dos trabalhadores privados. Mesmo assim, os funcionários públicos é que fazem greve. Os privados não.
  • Durante os anos da troika, o desemprego aumentou e muito. Quem perdeu o emprego? Os trabalhadores privados. Não os funcionários públicos. Mesmo assim, quem faz greve são os funcionários públicos.
  • É certo que os funcionários públicos tiveram cortes salariais. E isso é duro. Só que muitos trabalhadores privados também. Com uma diferença: os cortes na função pública já forem repostos. No sector privado muitos ainda se mantêm.
  • Até na progressão de carreiras se vê a imagem da injustiça. Na função pública já vão ser descongelados. No privado, é tudo bem mais lento. Mesmo assim, é na função pública que se faz greve e não no sector privado.

O que é que isto mostra? Que a generalidade dos nossos sindicatos não se preocupa com os trabalhadores do sector privado. Eu tenho um enorme respeito pelos funcionários públicos (em particular médicos, enfermeiros e professores) mas acho que estamos precisados de sindicatos que olhem de forma igual para todos os trabalhadores, sejam públicos ou privados. Aqui, a discriminação é sinal de injustiça.

 

A INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA

 
Primeira conclusão: Madrid ganhou a Barcelona.


a) A declaração de independência não foi levada a sério. Nem em Espanha nem fora de Espanha. Nenhum país do mundo a reconhece.

b) O Governo catalão sai debilitado e dividido. Há divisões na coligação; demissões no Governo (demitiu-se o responsável pela área da economia); e vários avanços e recuos do Presidente (o que mina a sua credibilidade).

c) Rajoy e Pedro Sanchez (PP e PSOE) saem fortalecidos.

Rajoy, com um governo muito precário, ganhou o apoio e tempo que não tinha; Pedro Sanchez, por sua vez, ganhou a credibilidade que lhe pode ser muito útil no futuro

Segunda conclusão: os cuidados de Madrid na suspensão da autonomia. Desta vez, as autoridades de Madrid agiram com prudência e sem excessos. Aprenderam com os erros que cometeram no referendo. Houve o cuidado de não ser uma intervenção excessiva (por exemplo, não há qualquer intervenção na comunicação social pública). Houve o cuidado de fazer rapidamente eleições (para tentar acelerar a normalização da situação na Catalunha). Deixá-las para mais tarde poderia agravar a confusão.

Terceira conclusão: as incógnitas das eleições

Estas eleições vão mudar a classe dirigente de Barcelona ou não? Se mudarem, podem ser um avanço. Se não mudarem, a situação só pode agravar-se. Nestas eleições o poder dos partidos pró-independência aumenta ou diminui? A resposta não é indiferente. Pelo contrário. E o Sr. Puidgemont é o líder que vai a votos ou vai ser substituído? Não é líquido que seja ele a liderar o seu partido (Partido Democrático da Catalunha) face às grandes divisões instaladas.

Que solução? 
No imediato e no curto prazo não há solução. Nenhuma. Trata-se de gerir um assunto e não resolvê-lo; Um dia mais tarde terá de haver, com outros protagonistas: e a solução só poderá ser uma de duas: ou um Estado Federal ou um reforço da autonomia; Tem de haver um golpe de asa. Uma solução em que ambas as partes não saiam nem totalmente derrotadas nem totalmente vitoriosas.


Consequências da situação

a) Plano político – Um clima de incerteza e de radicalização política que não é bom nem para a Espanha nem para a Europa;

b) Plano económico – Uma queda da economia catalã e, por tabela, da economia espanhola, o que sendo mau para a Europa é também mau para Portugal (26% das nossas exportações são para Espanha);

c) Plano europeu – Com tudo isto, a Espanha sai enfraquecida na Europa; o que enfraquece a Península Ibérica; o que indirectamente enfraquece Portugal dentro da UE.

A POLÉMICA DECISÃO DA RELAÇÃO DO PORTO

     
Há, em torno deste acórdão, quatro questões distintas a considerar:


a) Primeiro: a decisão tomada. Certamente por não terem lido o acórdão, foi dito por algumas pessoas que nesta decisão o Tribunal agiu contra a lei porque decidiu pelas suas convicções e não em função da lei. Não é verdade. E a prova é que a decisão do Tribunal da Relação não alterou a decisão do Tribunal de 1ª Instância. Até a confirmou.

b) Segundo: as considerações feitas. Essas, sim, são inaceitáveis. Não são só infelizes, tontas e insensatas. São absolutamente inaceitáveis. São considerações próprias do século XIX e não do século XXI. E mesmo não tendo influência na decisão, não têm desculpa possível.

c) Terceiro: a magistrada que assinou de cruz. Igualmente inaceitável é a confissão da outra magistrada que assinou o acórdão. Diz que leu tudo na diagonal. Ou seja, que assinou de cruz, sem ler devidamente. Eu não sei se esta magistrada tem a noção da gravidade das suas declarações. É que aos olhos das pessoas tudo isto é visto como uma enorme leviandade e irresponsabilidade.

d) Quarto: o Conselho Superior de Magistratura. Primeiro, disse que nada havia a fazer. Depois, abriu um inquérito. Ou seja: andou a reboque da pressão da opinião pública. Outro mau exemplo!

 
Tudo isto é mau para a imagem da justiça e para a vida em sociedade. Como em Portugal a tendência é para tudo generalizar, toma-se logo a parte pelo todo. Um caso pontual de insensatez contamina a imagem da justiça.

Mas atenção! Isto não é a justiça portuguesa. A justiça portuguesa é muito melhor do que isto. O facto de haver um juiz insensato não significa que a maioria dos juízes o seja. Bem pelo contrário. Há que separar o trigo do joio. Não se pode confundir a árvore com a floresta. Não se deve generalizar.

 

Notas finais

  • EDP na China (Na semana que terminou o Conselho de Administração e o de Supervisão da EDP estiveram na China em reuniões com o acionista principal. Antevêem-se novidades.)
  • IFRRU 2020 (Este é o nome de um novo fundo público com 1,4 mil milhões de euros que arranca amanhã e que se destina a apoiar acções de reabilitação urbana em todo o país.)
  • União Internacional dos Advogados (A partir de amanhã é a 2.ª vez que esta organização com 90 anos de vida passará a ter um presidente português, Pedro Pais de Almeida.)
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