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Opinião
08 de Junho de 2020 às 17:25

A moldura da descontinuidade

Num curto intervalo de tempo, os equilíbrios instáveis tornam-se desequilíbrios em ressonância, amplificando-se mutuamente numa dinâmica caótica. Dentro da descontinuidade, ninguém sabe para onde vai, só sabe que não volta para o que foi.

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A FRASE...

 

"Em suma, menos soberania nacional e mais reformas vindas de fora."

 

Ricardo Reis, Expresso, 6 de Junho de 2020

 

A ANÁLISE...

 

Os contextos de descontinuidade não surgem sem sinais prévios que os anunciam. Os desequilíbrios que se acumulam e que não conduzem a revisões de comportamentos e de expectativas são indicadores de que se está a entrar num campo de impossibilidade – e só pode ser surpreendido quem estava interessado em não reconhecer o óbvio.

 

O excesso de endividamento dos Estados e das empresas obriga a reprimir a taxa de juro na vizinhança do zero, o baixo crescimento das economias maduras contribui para que a taxa de inflação se mantenha abaixo do valor de referência dos 2% (o que não permite dissolver a dívida acumulada), os bancos centrais são obrigados a adoptar as políticas não convencionais de compra de activos para injectar liquidez nas economias (o que transfere para os balanços dos bancos emissores a dívida que tem estado a ser gerada na economia e na sociedade). Se os sistemas económicos estavam há muito a operar longe do equilíbrio, os sistemas políticos estavam bloqueados pelo aparecimento de uma nova clivagem que penetrou todos os partidos com o confronto entre nacionalistas soberanistas (fechados no interior e limitados aos recursos próprios) e integracionistas (abertos ao exterior e considerando que só a construção de instituições multilaterais permite a obtenção da escala de recursos e de mercados necessária para gerir a dívida acumulada e reconstruir as condições do crescimento das economias). Estes equilíbrios instáveis ainda poderiam ser controlados enquanto houvesse uma estrutura de ordem mundial, com recursos e instituições que podem absorver esses desequilíbrios e evitar a sua generalização, mas também essa linha de defesa rompeu quando os Estados Unidos decidiram renunciar à sua responsabilidade de centro de coordenação do sistema de relações multilaterais. 

 

A moldura em que a descontinuidade se vai revelar é a epidemia que impõe a distância para evitar o contágio, congelando as economias e paralisando as sociedades. Num curto intervalo de tempo, os equilíbrios instáveis tornam-se desequilíbrios em ressonância, amplificando-se mutuamente numa dinâmica caótica. Dentro da descontinuidade, ninguém sabe para onde vai, só sabe que não volta para o que foi. 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

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