Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
08 de Outubro de 2018 às 20:04

A História continua

Trump não é um traidor ao serviço dos soviéticos ou dos seus herdeiros russos. Ele é um representante de uma facção da sociedade americana atemorizada com a sua decadência demográfica e assustada com a imigração.

  • ...

A FRASE...

 

"Estamos entre Trump e a História. Continuamos siderados com o primeiro e ignoramos

a segunda. Fazemos mal."

 

Miguel Monjardino, Expresso, 29 de Setembro de 2018

 

A ANÁLISE...

 

A desagregação e queda do império soviético estimulou os analistas americanos a glorificar as provas da superioridade do modelo liberal de iniciativa privada quando comparado com o modelo estatista de direcção central. Tinha-se chegado ao fim da História, parava o motor da História que era, para Marx, a luta de classes. Na euforia da vitória, estes analistas ignoraram a hipótese Trump, a imagem em espelho de Gorbachev, e menosprezaram a capacidade de um agente dos serviços secretos soviéticos, Putin, com talento e determinação para conseguir colocar na presidência americana um operacional que conseguisse dinamitar a complexa e sofisticada construção de uma ordem mundial que os norte-americanos tinham conseguido estruturar desde a Segunda Guerra Mundial, em colaboração estreita com os europeus.

 

Trump não é um traidor ao serviço dos soviéticos ou dos seus herdeiros russos. Ele é um representante de uma facção da sociedade americana atemorizada com a sua decadência demográfica e assustada com a imigração (os americanos brancos serão minoritários na população dos Estados Unidos a partir da terceira década do século XXI) e sem vontade interna para disputar com os chineses o desafio da competitividade global na economia. Esta facção da sociedade americana e o seu representante Donald Trump abandonam o debate ideológico sobre a superioridade do liberalismo, esquecem as virtudes das alianças e da cooperação na gestão da ordem mundial, distorcem e manipulam a informação, recorrem aos instrumentos mais rudimentares do proteccionismo económico nacionalista, promovem deliberadamente a fragmentação da Europa por intermédio de movimentos nacionalistas autoritários, servem os russos para impedir a progressão dos chineses.

 

O celebrado "fim da História" foi apenas o fim de um episódio e a História continua. Adam Tooze, um historiador da Universidade de Columbia, pode escrever que "o 'Sonho Chinês' de Xi Jinping é a mais espectacular promessa keynesiana alguma vez feita". Os americanos da supremacia branca esqueceram que outros podem apropriar os valores do liberalismo ocidental e substituir Marx ou Mao por Keynes. A História continua com ironia, como ensinava Hegel.  

 

Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências directas e indirectas das políticas para todos os sectores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.

maovisivel@gmail.com

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio