Opinião
Um Estado empreendedor
Olhando em retrospetiva, foram múltiplos os negócios que floresceram à sombra do Estado protetor, que lhes ofereceu condições a fazer lembrar a velha máxima da economia, de que “o mercado concorrencial é bom,... para os outros”.
A FRASE...
"Como se constrói um capitalismo?"
Sérgio Sousa Pinto, Expresso, 8 de Agosto de 2020
A ANÁLISE...
Quando pensamos o desenvolvimento económico português, há um padrão histórico que salta à vista: o empreendedorismo do Estado criou uma teia de dependências e cumplicidades clientelares, sem nunca verdadeiramente favorecer o interesse público, nem proteger os direitos e liberdades dos cidadãos, amarrados a contribuir para uma rede tentacular de interesses, pagando uma carga tributária que excede largamente os benefícios sociais.
Olhando em retrospetiva, foram múltiplos os negócios que floresceram à sombra do Estado protetor, que lhes ofereceu condições a fazer lembrar a velha máxima da economia, de que "o mercado concorrencial é bom,... para os outros". Na sua veia empreendedora, promoveu investimentos e tentou o financiamento privado com condições de remuneração que em muito ultrapassam os riscos do negócio, aliviou pressões de tesouraria sobre um Tesouro público depauperado e onerou gerações futuras.
Acumulámos décadas de crescimento económico débil, assente em capital estrangeiro e fundos estruturais, com políticas que enviesaram os investimentos privados - dirigindo-os, como se de investimentos púbicos se tratasse - e verdadeiramente produzindo o que os economistas chamam de efeito "crowding-out": o Estado a competir com as empresas pelo financiamento. Não obstante, não tendo sido ele a investir - por falta de recursos, ou por moda - escolheu e favoreceu atividades consideradas hoje, mas não à altura, rentistas.
No presente, num exercício de pura retórica política, criticam-se as rendas do passado, aponta-se que não se colhem vantagens a bem do interesse público. Um debate inquinado que esquece, à laia de slogan publicitário, que "... o segredo está na base." Para um Estado empreendedor com esta natureza são precisas instituições fortes capazes de escrutinar, regular e fiscalizar o funcionamento dos mercados, desde o acesso ao investimento - muitos, concursos públicos - até às condições de exploração - quase sempre privadas.
O problema é a inconsistência intrínseca das nossas instituições. Sem veia reformista, temos um Estado gizado e dimensionado para "controlar empresas públicas", hipocritamente hostil à iniciativa privada, ao mesmo tempo que convida os cidadãos a pagar duplamente - sob a forma de preço e tributação - por serviços que, outrossim, são considerados públicos! E agora, vai ser diferente?
Este artigo de opinião integra A Mão Visível - Observações sobre as consequências diretas e indiretas das políticas para todos os setores da sociedade e dos efeitos a médio e longo prazo por oposição às realizadas sobre os efeitos imediatos e dirigidas apenas para certos grupos da sociedade.
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