Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Manuela Arcanjo - Economista 12 de Março de 2013 às 00:01

Uma paixão cega

A crise do sistema financeiro permitiu descobrir uma Europa com debilidades diversas: ausência de dinamismo económico, fraca competitividade, défices e dívidas públicas não controlados. Com a recessão em 2008, a Comissão Europeia lançou um programa expansionista que determinou o agravamento orçamental em diversos países, Portugal incluído. Dada a falta de decisão política europeia, não se conseguiu evitar o pior.

  • 1
  • ...

Quando três países chegaram à incapacidade de financiamento, a Europa pediu ajuda ao FMI. Embora experiente em programas de ajustamento em diversos países (incluindo duas vezes em Portugal), o FMI desconhecia o que poderia ser (e as consequências) de uma intervenção amputada da política cambial. Associada a esta dificuldade, sempre esteve um modelo de intervenção pública que tem a sua fonte numa ideologia de Estado Mínimo.


Embora sem grande profundidade intelectual e quase nenhuma experiência, Pedro Passos Coelho aderiu de alma e coração a um modelo que em termos macroeconómicos fazia das exportações a sua variável-chave, esmagava o consumo privado e quase anulava o investimento. Fundamental era o aumento de competitividade: não no sentido global do termo (ver relatórios anuais do "World Economic Fórum"), mas apenas por via salarial. Mais, era fundamental tornar o mercado de trabalho muito flexível e, em simultâneo, reduzir fortemente a protecção social ao desemprego.

Este ou outro qualquer governo não poderia "rasgar" o Memorando. Apenas se poderia pedir que tivesse consciência dos efeitos dramáticos (ao nível macroeconómico, do tecido empresarial e das pessoas) de uma política de austeridade cegamente orientada para a obtenção de metas irrealistas para o défice público. As metas falharam (sem medidas extraordinárias), a economia está em recessão, o desemprego no valor histórico, a pobreza aumentou abrangendo famílias da classe média. Claro que os custos salariais foram reduzidos, os impostos sofreram um aumento brutal e o mercado de trabalho (que não era rígido) está em desregulação. Este falhanço é do governo, da Troika e da própria Europa. Mas há uma importante diferença: um governo democraticamente eleito tem a obrigação de ser solidário e lutar pelos cidadãos (eleitores ou não) do país que aceitou governar.

Em nenhum outro país resgatado ou em dificuldades (Espanha e França, por exemplo), se assiste a um primeiro-ministro que defenda como sua uma política de austeridade que empobreça fortemente o seu país. Ora, esta paixão programática por um modelo não experimentado antes na Europa só pode minimizar o poder negocial de um governo.

O resultado da 7.ª avaliação é esperado para esta semana (na Grécia também se atrasou). A possibilidade de uma nova fixação das metas orçamentais e de maior maturidade para alguns dos empréstimos são dadas como certas. Não se trata de qualquer vitória, mas de uma necessidade face aos resultados. Em negociação (ou à espera de decisão do Tribunal Constitucional) estará a redução de quatro mil milhões que será feita sem uma ideia estratégica (nas forças armadas ou na administração pública central, por exemplo) e sem uma noção do seu significado na quebra de contrato entre o Estado e os indivíduos. Mais uma vez, rápido e à bruta. Daqui a um ano poderemos estar a discutir novamente a necessidade de "mais tempo" e, na pior das hipóteses, de "mais dinheiro".

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.



Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio