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Manuela Arcanjo - Economista 02 de Janeiro de 2020 às 20:35

Será possível piorar?

Para além de algumas debilidades do governo central - em minha opinião, claro - é crescente o sentimento que a desonestidade já abrange toda a sociedade.

Todos conhecemos pessoas que vivem - bem ou mal - na bolha da sua vida pessoal e familiar. Não sei se são mais felizes por se abstraírem do que se passa fora da bolha, a nível internacional ou nacional. Também não sei se é uma opção deliberada ou apenas um modo de viver. Mas para muitos outros, em que me incluo, esta não é uma escolha.

 

 

Recordo bem, por diversas razões, o início da década e as expectativas que poderíamos ter para Portugal e o que não antecipávamos a nível mundial.

 

Tivemos acontecimentos trágicos como a perda de vidas nos movimentos migratórios de refugiados cujo quotidiano de guerra e miséria é difícil de entender para os europeus. Assistimos a ataques à democracia em várias zonas do globo cujas consequências ainda desconhecemos, apesar da luta de muitos. Acompanhamos não só os sucessivos estudos científicos sobre o fenómeno das alterações climáticas, como não podemos ignorar os efeitos que já se fazem sentir por todo o planeta. Assistimos à eleição de figuras perigosas nos EUA e no Brasil, meras caricaturas de estadistas cujas declarações frequentes envergonham qualquer cidadão digno. Por último, iremos assistir à saída do Reino Unido da União Europeia, pondo fim a uma relação que nunca foi muito sólida e que poderá ser o ponto de partida para outras retiradas e o intensificar dos movimentos de autonomia de outras regiões. Tal como no início da década, creio não ser possível anteciparmos os acontecimentos mas apenas esperar que não sejam tão graves como muitos temem.

 

Se o quadro mundial é mau, poderíamos encontrar algum sinal de esperança para Portugal. Passado um dos piores momentos económicos e sociais que os portugueses viveram - com o programa de resgate financeiro e as conhecidas medidas "para além da troika" -, seria o tempo de acreditarmos que o poder político tem uma estratégia para o país. Crescimento económico, emprego de qualidade, combate à desigualdade e à pobreza, maior qualidade de vida para todos. Alguns dirão que governos sem maioria absoluta não podem ter um pensamento e acção que vá para além do curto prazo. Falso. Os governos definem prioridades, tomam medidas que visam determinados objectivos, avaliam se estas foram ou não eficazes. Claro que são obrigados a obter consensos parlamentares mas não podem governar, digamos assim por simplificação, como se estivéssemos em permanente campanha eleitoral e a anunciar todas as semanas medidas que muitas das vezes nem sequer são concretizadas.

 

Mas para além de algumas debilidades do governo central - em minha opinião, claro - é crescente o sentimento que a desonestidade já abrange toda a sociedade. Não é apenas a corrupção, as teias cruzadas de poderes, o favorecimento gratuito. Todas as semanas, por vezes diariamente, temos notícias - da chamada comunicação social de referência - de comportamentos desonestos sob um manto de completa impunidade.

 

Se não podemos melhorar o mundo, pelo menos sejamos capazes de tornar Portugal um país melhor. Quem não está interessado? 

 

Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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