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04 de Fevereiro de 2015 às 00:01

A Europa era grega?

Mesmo tendo em conta que a Grécia é um país especial, onde a economia "informal" (ilegal) e a corrupção campeiam, sem que ninguém até aqui tenha tentado seriamente atalhar estes estado de coisas, os gregos são cidadãos europeus merecedores de consideração.

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A Europa, filha do rei da Fenícia, Agenor, foi raptada por Zeus, disfarçado de touro para se esconder da sua ciumenta mulher, Hera. Zeus levou Europa para Creta onde teve três filhos: Minos, Radamanto e Sarpedão.

Mitologia grega

 

Os gregos votaram contra a crise, a pobreza, a carga fiscal, o desemprego, o retrocesso da economia, etc., e assim manifestaram a sua revolta contra os sacrifícios impostos pela austeridade que, na Grécia, como é comum reconhecer, foram sentidos com particular violência, apesar de alguns perdões que ocorreram durante os dois resgates que o país se viu forçado a pedir. Claro que tudo isto tem justificações e, cada uma das partes, é capaz de carrear dezenas de argumentos a favor das teses que defende.

 

Mesmo tendo em conta que a Grécia é um país especial, onde a economia "informal" (ilegal) e a corrupção campeiam, sem que ninguém até aqui tenha tentado seriamente atalhar estes estado de coisas, os gregos são cidadãos europeus merecedores de consideração e de que as suas decisões, tomadas democraticamente, sejam respeitadas e tidas em conta. Ainda que se esteja em desacordo profundo, a alternativa é negociar, é estudar conjuntamente as propostas que vêm da outra parte, procurar aproximações, fazer as cedências possíveis, enfim, seguir o método comunitário e no fim se não houver qualquer hipótese, assumir o desacordo como tantas vezes já aconteceu ao longo das seis décadas que a integração europeia já conta.

 

Mas as eleições gregas, e a vitória do Syriza, vieram demonstrar quatro questões da maior importância: (i) que as políticas de austeridade possuem um enorme potencial para pôr em causa e alterar os sistemas políticos até agora prevalecentes; à direita e à esquerda estão a surgir, um pouco por todo o lado, formações políticas, a que as sondagens atribuem grande credibilidade, impensáveis há um ou dois anos; (ii) que a paciência e os limites do sofrimento das pessoas estão a ser atingidos pondo em risco os equilíbrios económicos e sociais alcançados, na Europa do pós-II Guerra Mundial, através da concepção de um contrato social inovador; (iii) que a UE não se preparou para estar, desde o primeiro momento, pronta para encarar os resultados das eleições gregas, limitando-se a demonstrar desconforto, tensão e antipatia, agarrando-se ao discurso do cumprimento dos compromissos assinados, como se a realidade não fosse dinâmica e como se a vitória de um partido da esquerda radical não fosse certa e tivesse sido apanhada de surpresa; e (iv) que do integral de todas estas circunstâncias, a que se junta uma estranha aliança de governo com os Gregos Independentes da direita conservadora, resulta um certo sabor anti-integração europeia (os GI são declaradamente eurocépticos e o Syriza também não tem sido, propriamente, um entusiasta da causa); se não se encontrar uma alternativa que permita salvar a face de ambas as partes, o confronto pode degenerar em níveis de desagregação imprevisíveis.

 

Duas ou três notas finais. A primeira tem a ver com a oportunidade de repensar alguns aspectos do euro; 15 anos após a sua criação é altura de fazer um balanço, estudar as assimetrias que gerou, como e porque foi mais benéfico para alguns países e menos para outros em termos de competitividade, como avançar  e que passos devem ser dados no sentido da consolidação da Zona Euro. A segunda refere-se à situação deflação que espreita a UE, ao crescimento anémico das suas economias, à sua perda de nervo e dinamismo no quadro da economia global, ao envelhecimento irreprimível da sua população. Finalmente, pegar na ideia da realização de uma conferência europeia sobre os problemas que hoje afectam a União - podíamos chamar-lhe Pela Europa! As crises podem, quase sempre, ser transformadas em oportunidades. Não deixemos que esta se nos escoe pelos dedos, como água que corre... com a indiferença que ultimamente nos tem caracterizado.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa

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