Opinião
Uma má pessoa não pode ser um excelente profissional
O que me espanta é considerar-se absolutamente justificável que em nos querendo ver livres de alguém, que consideramos falho de qualidades, tratemos de lhe encontrar um outro cargo, um cargo público ainda por cima, para o calar ou tirar do caminho.
No domingo passado ouvi Marques Mendes afirmar que Mário Centeno era uma pessoa competente, mas com falhas de caráter e que já dera provas repetidas de falta de lealdade. Garantiu que o ministro das Finanças “tem uma relação difícil com a lealdade e às vezes com o caráter”, acusou-o de “deslealdade” para com o primeiro-ministro, sublinhou que possuía um “instinto vingativo”, que “o poder lhe tinha subido à cabeça”, e que era dotado de uma ambição desmedida. Mas, quando lhe foi perguntado se, posto tudo isto, daria um bom governador do Banco de Portugal, Marques Mendes tranquilizou o entrevistador: seguramente que sim, “porque o problema não é a competência”. Mau caráter, mas excelente profissional, portanto.
Na realidade, as personagens desta história pouco me interessam, o que me importou neste comentário, que não varia muito de tantos outros que ouvimos no dia a dia sobre as mais diversas pessoas, é a naturalidade com que se afirma que alguém — seja quem for — pode ser desleal e sem caráter, mas simultaneamente um profissional exímio. A pessoa certa para um lugar de responsabilidade. O que me espanta é considerar-se absolutamente justificável que em nos querendo ver livres de alguém, que consideramos falho de qualidades, tratemos de lhe encontrar um outro cargo, um cargo público ainda por cima, para o calar ou tirar do caminho.
Confesso que posto isto fiz um Google, associando as palavras “má pessoa” + “bom profissional” e respirei de alívio: pelos vistos a minha dúvida moral não era assim tão esdrúxula. Numa excelente entrevista ao La Vanguardia, o psicólogo Howard Gardner da Universidade de Harvard, o homem que ficou célebre pela sua tese de que não há apenas um tipo de inteligência mas uma multitude delas (inteligência lógico-matemática, linguística, musical, etc.), é perentório: as más pessoas não podem ser excelentes profissionais. Afirma que as pessoas com falhas éticas até podem adquirir “know-how” técnico, mas que a competência técnica, nunca poderá ser sinónimo de excelência.
Argumenta que “se o que os move é o desejo de satisfazer o seu ego, a sua ambição ou ganância, não há qualquer hipótese de serem bons profissionais. Se não se envolvem no que fazem, se não colocam objetivos ao seu trabalho que vão para lá das suas necessidades pessoais, se a sua profissão não é assumida como um serviço aos outros, não há hipótese. Ou seja, se não são éticos, podem ser ricos, podem ser competentes, mas não são excelentes profissionais”.
Pronto, estou mais descansada. O mundo pode não ser como desejávamos que fosse, mas é preciso que pelo menos na nossa bússola interna, o Norte continue no mesmo sítio. Infelizmente, Howard Gardner parece estar ainda mais desassossegado do que eu porque, avisa, muita gente, nomeadamente os que iniciam agora a sua vida profissional, acreditam que “a Ética é o luxo dos que já têm sucesso”. Qualquer coisa que se acha muito bem que exista e que até se promete vir um dia a aplicar, mas só quando chegarmos ao lugar que ambicionamos ocupar. Seja o de chefe da banda, de governador do Banco de Portugal ou de comentador político.