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30 de Agosto de 2016 às 20:40

Uma DECO para os contribuintes

Lendo Sérgio Vasques neste jornal, anteontem, descobri que a DECO promove actualmente um manifesto em nome da dedutibilidade em IRS de todas as despesas com educação.

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Um caso em que a sigla da associação se adapta quer à defesa do consumidor quer à defesa do contribuinte. Mas e se houvesse, de facto, uma DECO para os contribuintes? Seria bom que começássemos a trocar ideias sobre o assunto.

 

Em Portugal é fácil uma pessoa, uma família ou uma empresa ver a vida destruída por uma actuação injusta do Fisco. Não cometerei um erro grosseiro se disser que na última década o Fisco perdeu em tribunal cerca de metade dos processos contra os contribuintes. É o que me dizem a experiência profissional e os poucos dados oficiais que o Estado vai divulgando, com relutância e raridade. Metade dos processos perdidos pelo Fisco é a medida de uma arbitrariedade e negligência incompatíveis com o Estado de Direito. É certo que os contribuintes se podem defender num sistema judicial independente, mas esse luxo é um fraco consolo, porque a desproporção com que o Fisco actua destrói qualquer racionalidade que o sistema possa, em abstracto, ter.

 

O excesso de investidas fiscais é tal que o nível de litigância nos tribunais impede a tomada de decisões em tempo útil: uma decisão de primeira instância pode hoje, com normalidade, demorar uma década. Para além disso, as custas judiciais são cada vez mais proibitivas e, de resto, a mera reacção em tribunal contra uma actuação do Fisco não impede que este execute o contribuinte e lhe fique com o património. Para que o contribuinte suspenda a execução durante o decurso do processo em tribunal necessita de prestar uma garantia no valor da alegada dívida (e mais 25%). Ora, se a actuação do Fisco é arbitrária, pode muito bem suceder que a garantia exigida não seja proporcional ao que o contribuinte é capaz de suportar - o que desencadeia em paralelo toda uma outra litigância ruinosa até aquele conseguir, se conseguir, a isenção de prestação de garantia.

 

É neste aspecto da relação entre o processo judicial e o processo executivo que reside a maior fragilidade dos contribuintes: há uma gravíssima dissonância no sistema entre a desesperante lentidão com que nos tribunais se decide sobre a razão do Fisco e a brutal rapidez com que este nos pode dar cabo da vida.

 

Algo que nenhum responsável político parece querer assumir. Veja-se o exemplo imediato deste governo. Depois de uma longínqua e inconclusiva declaração de intenções sobre a necessidade de mais juízes, onde se meteu a ministra da Justiça? Francisca Van Dunem parece um caso de péssima alocação dos recursos públicos: se o seu cargo era para ser de mera intendência, sinceramente não valia a pena desprover o sistema judicial de tão excelente magistrada. Enquanto isso, colegas seus permanecem firmes no objectivo de reduzir as defesas dos particulares, como disso é exemplo a intenção de conhecer todas as contas bancárias dos cidadãos - uma medida embrulhada numa feira popular inteira de megafones e sinais de néon a gritar "inconstitucionalidade".

 

Entre funcionários do Fisco que têm os incentivos dirigidos para o gatilho fácil, tribunais enterrados em pendências e sucessivos governos assoberbados pela urgência financeira, ninguém parece ter presença de espírito para pensar a sério na defesa do contribuinte. Pelo que talvez fosse útil a cidadania ir-se organizando numa associação privada, que ajudasse o sistema a olhar-se de fora e a reformar-se.

Advogado

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