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31 de Julho de 2018 às 19:40

Robles fora: menos um populista

A política fica sempre um pouco mais moderada e racional quando um moralista é apanhado a praticar os vícios privados a que a sua virtude pública se opõe. Todos os dias em que isso acontece são dias bons para a democracia.

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Apesar de todas as árvores que já foram cortadas para que a ciência política pudesse escrever sobre o que é o populismo, ainda não há um conceito fechado. Mas há um aspecto em que todos podemos concordar: a estratégia de um político populista é identificar um inimigo preciso, descrevê-lo como sendo a raiz de todos os males e contra ele acicatar o eleitorado, com uma permanente comparação entre a corrupção moral desse inimigo e o purismo idealista do seu combatente.

 

Na forma como atira para debaixo do tapete a complexidade do mundo, e como num paraíso artificial de simplismo constrói sobre si mesmo a imagem do salvador, um populista é, por definição, um moralista. É por isso que não há nada melhor do que ver um populista encostado às cordas do seu próprio moralismo.

 

A política fica sempre um pouco mais moderada e racional quando um moralista é apanhado a praticar os vícios privados a que a sua virtude pública se opõe. Todos os dias em que isso acontece são dias bons para a democracia. O dia da queda de Ricardo Robles, mais um moralista desarmado pela própria hipocrisia, foi um dia bom.

 

O ex-vereador do Bloco de Esquerda foi eleito falando praticamente apenas da crise da habitação em Lisboa. Segundo o próprio, os preços das casas são inflacionados pela "especulação imobiliária" e pela facilidade dos "despejos", que por seu turno são promovidos pela permissividade com que a lei regula o alojamento local e o arrendamento.

 

O que é que Robles propunha na sua vida pública? Que se combatesse a "especulação", limitando o alojamento local e os "despejos", e colocando o vasto património do Estado no mercado da habitação, a preços controlados.

 

O que é que Robles fez na sua vida privada? Adquiriu um imóvel ao Estado a preço de saldo e colocou-o à venda a "especuladores", com uma mais-valia de milhões, anunciando-o - qual tesouro reluzente - como estando preparado para a actividade de alojamento local. Pelo meio, ainda "despejou" inquilinos.

 

Ou seja, Ricardo Robles fez ponto por ponto aquilo que denunciava, aquilo que desqualificava moralmente, que dizia ser a principal razão do maior problema social de Lisboa, e que prometeu combater.

 

O mal não está na forma como Robles adquiriu, geriu e quis alienar o seu património. O problema é o facto de ter beneficiado a título privado de uma liberdade económica da qual diz, para efeitos políticos, que outras pessoas, com razões tão legítimas e impulsos tão naturais quanto os seus, não podem usufruir. Robles, no palavreado rendilhado e eufemístico que utiliza em causa própria, é uma pessoa com "constrangimentos familiares"; os outros, no discurso definitivo e brutal que o ex-vereador usa no combate político, são vis "especuladores".

 

Esta contradição directa entre o Ricardo Robles privado e o Ricardo Robles público não é uma questão menor. Não é por acaso que o Código Deontológico dos Jornalistas permite a violação da privacidade de um indivíduo quando a sua conduta "contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende". É porque, para a sanidade do debate democrático, convém saber se podemos levar a sério o que os políticos dizem. E, para isso, é preciso saber se eles próprios acreditam no que dizem.

 

Nos últimos dias, deixámos de saber em que é que Ricardo Robles acredita realmente. O ex-vereador foi apanhado nas suas incoerências e, pelo menos na conhecida versão populista, não sobreviveu. Repito: foi um bom dia para a democracia.   

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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