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13 de Junho de 2017 às 21:00

Regra n.º 1 para o sucesso eleitoral: ser o partido da aspiração

Os conservadores britânicos passaram os últimos vinte anos a tentar "desintoxicar-se" do legado de Thatcher, com especial perseverança depois da crise dos mercados financeiros.

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A conciliação do conservadorismo político com a ideia liberal da economia de mercado foi um movimento importante no século XX. Apesar de ser um processo com raízes antigas, principalmente na história do pensamento inglês, até à segunda metade do século passado a generalidade dos conservadores abominavam ou desconfiavam dos mercados livres.

 

O valor fundamental dos conservadores é a ordem; o dos liberais é a liberdade. Uns e outros achavam que esses dois princípios se excluíam mutuamente, porque a liberdade é fonte de desordem e a ordem imposta é sempre, em maior ou menor grau, inimiga do progresso, que depende das "forças espontâneas de ajustamento", na expressão de Friedrich Hayek. O próprio Hayek escreveu um famoso ensaio-bandeira dos liberais modernos chamado "Porque não sou conservador".

 

O que entretanto muitos conservadores compreenderam, com a ajuda da tragédia que foi o século XX, é que a única ordem verdadeiramente duradoura é a ordem espontânea, não a ordem artificial que é determinada pela tutela impositiva do Estado. Quanto mais livres de interferência política forem as relações humanas, quanto mais orgânico for o progresso, mais sustentável é a ordem social. No fundo, os conservadores perceberam que não há ordem sem liberdade.

 

Esta síntese intelectual entre conservadorismo e liberalismo teve o seu apogeu na Grã-Bretanha dos anos 80, quando Margaret Thatcher foi líder do Partido Conservador e primeira-ministra. Não só por Thatcher ter sido uma devota hayekiana, mas porque soube articular a ideologia que professava de modo que o seu partido fosse visto como o partido da aspiração. As três maiorias que obteve, com apoio esmagador e interclassista, também foram o resultado de um discurso baseado nos valores da emancipação individualista, económica e social, contra a tradição do próprio Partido Conservador e uma oposição trabalhista presa ao colectivismo que havia acorrentado a Grã-Bretanha à crise dos anos 70. Percebeu-se a influência cultural desse discurso quando o "New Labour" de Tony Blair chegou ao poder em 1997 sem contestar o essencial do consenso liberal do thatcherismo.

 

No entanto, os conservadores britânicos passaram os últimos vinte anos a tentar "desintoxicar-se" do legado de Thatcher, com especial perseverança depois da crise dos mercados financeiros. Ainda assim, nunca com o empenho que sob a liderança de Theresa May demonstraram na recente campanha eleitoral. O manifesto de May propôs o regresso a um conservadorismo tão dirigista, tão intervencionista, tão antiliberal, tão moralista e paternalista, que mais parecia o de quando Benjamin Disraeli era o primeiro-ministro da rainha Vitória.

 

Foi a receita para o desastre. Desde logo, porque, mais do que um conjunto de crenças genuínas, o manifesto foi visto como uma tentativa oportunista de May esmagar os trabalhistas no seu terreno, ideológico e geográfico, e de se vingar do liberalismo cosmopolita e "elitista" do "grupo de Notting Hill" (de David Cameron e George Osborne).

 

Depois, e fundamentalmente, porque May, na sequência do Brexit (a que se opôs no referendo, e no qual vê mais as ameaças do que as oportunidades), quis vender um futuro tão repleto de ordem e estabilidade que secou o seu discurso de todo e qualquer carisma aspiracional.

Com isto, o que conseguiu foi deixar que os trabalhistas antiquados de Jeremy Corbyn, com uma inteligente campanha dirigida ao voto jovem, parecessem por comparação o partido da aspiração. Uma ironia com resultados à vista.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidadecom o novo Acordo Ortográfico

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