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Francisco Mendes da Silva - Advogado 03 de Julho de 2018 às 20:27

Pop e populismo 

Foi impressionante o facto de Marcelo, Costa e Ferro lá terem estado, não como amigos dos Xutos, mas como titulares dos cargos que ocupam, como que para dar chancela oficial à ocasião.

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Em 1996, durante a escalada de Tony Blair para o poder, o seu famoso "spin doctor", Alastair Campbell, declarou: "Sente-se um desejo de mudança. A Grã-Bretanha voltou a exportar música pop. Agora só precisamos de um novo governo." Nos anos 90 britânicos, uns "swinging sixties" tardios, não havia melhor epígrafe para a história da ascensão do New Labour. O mundo havia sido invadido de novo pela cultura popular das ilhas, excêntrica nos modos e anglocêntrica nos temas. Era o tempo dos Young British Artists (com Damien Hirst à cabeça), do "Trainspotting", do Euro 96, organizado por Inglaterra, e da Britpop (os Blur, os Oasis, os Pulp, os Suede, etc.).

 

O anacrónico "Rule Britannia" tinha dado lugar ao moderníssimo "Cool Britannia" e o entusiasmo civilizacional tinha atingido o nível lírico: para o Observer, a música pop era a sucessora da indústria do aço na liderança da economia britânica; para o Independent, estávamos no início de uma "sociedade pós-capitalista", em que o lucro dependeria do "completo reconhecimento da criatividade humana".

 

Tony Blair chegou ao poder pendurado neste "zeitgeist", fazendo-se fotografar ao lado das celebridades do dia enquanto anunciava a "nova Grã-Bretanha", nação renascida e confiante, à qual só faltava um líder realmente "moderno". É claro que aquela criatividade insolente dos anos 90 foi uma outra face do individualismo "yuppie" dos anos 80, assim como a indústria que a sustentou ressurgiu no capitalismo eufórico do thatcherismo. Mas Blair nunca se fez rogado com a herança que recebeu. Como a própria Thatcher haveria de dizer, triunfal, o New Labour - essa modernização dos trabalhistas - foi a sua maior conquista.

 

A colagem dos políticos à cultura mediática não começou nem terminou na Grã-Bretanha, muito menos com Tony Blair. Mas Blair foi talvez o melhor caso de estudo dessa dimensão da política moderna, e o melhor exemplo dos seus riscos.

 

Um político deve ter sempre presente que o seu amor às celebridades raramente é correspondido em igual medida. Quando os trabalhistas quiseram o apoio de Jarvis Cocker, o genial e desbocado líder dos Pulp, este não só os mandou bugiar como escreveu a canção "Cocaine Socialism", uma rajada de ressentimento e sarcasmo disparada contra a artificialidade e o oportunismo de Blair. O candidato quis aproveitar-se do ar do tempo, mas ficou para a história da cultura popular desse mesmo tempo numa nota de rodapé infame.

 

Outra coisa que qualquer político devia saber é que, numa civilização adulta e saudável, a política e a cultura devem evitar andar por aí a celebrar-se mutuamente, não só porque o embasbacamento dos políticos é um péssimo conselheiro (veja-se o caso da relação de servilismo entre a Câmara Municipal de Lisboa e Madonna), mas essencialmente porque essa civilização, e a liberdade que a constrói, depende de a vida que há além da política não querer saber da política para nada.

 

É por isso que aquilo que me impressionou no concerto dos Xutos & Pontapés no Rock in Rio, uma justa homenagem a Zé Pedro, não foi a presença em palco do Presidente da República, do primeiro-ministro e do presidente da Assembleia da República: foi o facto de Marcelo, Costa e Ferro lá terem estado, não como amigos dos Xutos, mas como titulares dos cargos que ocupam, como que para dar chancela oficial à ocasião numa espécie de panteão improvisado. Pior do que políticos em busca de acreditação pela cultura de massas, só artistas em busca de consagração institucional.

 

Advogado

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