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02 de Outubro de 2018 às 20:25

Passos Coelho devia ter aceitado a condecoração 

Pedro Passos Coelho recusou receber a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, que Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu atribuir-lhe, por achar que é cedo para ser condecorado. Fez mal.

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A Ordem Militar de Cristo serve para reconhecer serviços prestados no exercício de funções em cargos de soberania ou da administração pública que mereçam ser especialmente distinguidos. Não vejo como se possa refutar que a distinção era merecida.

 

Passos foi primeiro-ministro num dos períodos mais difíceis da nossa história recente. Herdou um Estado na penúria, ajoelhado aos pés dos credores, e teve de governar segundo um programa imposto de fora, negociado pelo governo da bancarrota que o antecedeu, sem nunca poder oferecer boas notícias.

 

Apesar das dificuldades, dos erros que também cometeu, e apesar de todo o cinismo e desonestidade da oposição de então, Passos conseguiu recuperar a credibilidade do país. Portugal deve-lhe muito. A condecoração seria apenas um símbolo desse reconhecimento.

 

Dir-me-ão: mas foi o próprio Passos Coelho quem refutou a condecoração, pelo que não há aqui tema algum. Discordo e repito: Passos fez mal. A sua recusa e a justificação da mesma não têm qualquer razão de ser.

 

Em primeiro lugar, porque o ser "cedo" ou não tem pouco que ver com as razões da condecoração. Afinal porque é que Passos diz que é cedo? Porque ainda não tem certezas sobre o reconhecimento que merece o seu mandato como primeiro-ministro? Duvido. Porque acha que ainda tem um papel relevante a desempenhar na vida pública portuguesa? Talvez. Mas a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo não tem de ser vista como um prémio de carreira. Quem a recebe não é colocado numa espécie de prateleira senatorial, ou num reformatório de servidores públicos.

 

Basta ver a lista dos agraciados, repleta de gente que continuou a ter relevância depois de receber a honra. A condecoração serve para reconhecer serviços públicos relevantes, e não "uma vida" de serviços públicos relevantes. Independentemente da vida que Pedro Passos Coelho tem pela frente, os serviços que já prestou justificam que tivesse aceitado a sugestão de Marcelo.

 

Aliás, em segundo lugar, nestas coisas convém perceber que quem condecora, verdadeiramente, é Portugal. Não é o Presidente da República, muito menos a pessoa que é, em cada momento, titular do cargo. Quem condecora é Portugal, representado circunstancialmente pelo titular do mais alto cargo da nação.

 

Isto recomendava que Passos Coelho tivesse tratado a possibilidade de condecoração com outra humildade. Sei que pode parecer irónico (culpado), ou bizantino (culpado), ou de um conservadorismo nefelibata (culpado), mas estas coisas, para mim, são assim: se Portugal acha que Passos Coelho deve ser condecorado, quem é Passos Coelho para achar e impor o contrário? Quem é Passos Coelho para dizer que para já não, insinuando que talvez um dia no futuro venha a aceitar? Em que posição é que agora fica o Estado? Espera que Passos se decida e comunique que está preparado - que agora, pronto, olha, já pode ser? Coloca na agenda um lembrete todos os anos, para ir perguntando a disponibilidade do ex-primeiro-ministro?

 

Muita gente celebrou a recusa da condecoração por ela mostrar o carácter de Passos Coelho. Desse carácter, que Passos mostrou na governação, também eu sou admirador.

Principalmente se comparado com o do seu antecessor, responsável pela maior degradação das instituições na história da democracia portuguesa, e com o do seu sucessor, um especialista em desresponsabilização política, em habilidadezinhas e anúncios sob reserva mental.

 

Passos tem o carácter de um patriota com sentido de Estado, sim. O problema é que, lá está, um patriota com sentido de Estado não trata uma condecoração que o país sugere atribuir-lhe como se ela estivesse na sua inteira disponibilidade, como se fosse só ele a decidir. A não ser que tenha uma questão mal resolvida com Portugal, Pedro Passos Coelho devia ter aceitado ser condecorado.

 

Advogado

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