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18 de Agosto de 2020 às 21:00

O fim do comunismo e a Festa do Avante

Com atitudes como a de insistir na realização da Festa do Avante a meio de uma pandemia, só pelo interesse da receita gerada e quando nenhum outro festival do género se pode realizar, qualquer dia esse eleitorado já nem o Partido Comunista tem.

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Em 1997, o Monde perguntou a Robert Conquest se o Holocausto havia sido pior do que os crimes do estalinismo. Conquest respondeu afirmativamente. Perguntado porquê, apenas conseguiu dizer que “sentia que sim”. Um dos grandes historiadores do comunismo, implacável na denúncia da devastação soviética, Robert Conquest não conseguiu dizer nada mais analítico, denso e estruturado do que, simplesmente, “sinto que sim”.

Estabelecer uma hierarquia de maldade entre as duas grandes tragédias do séc. XX não é só uma tarefa difícil; é também um exercício absolutamente fútil. Se fizermos uma medição com base no desprezo pela vida humana, a coisa fica ela por ela, seja numa escala de perversidade dos fins e dos métodos seja numa escala numérica (contando com os mortos da Segunda Guerra, necessária para derrotar Hitler).

Mas a Europa Ocidental sente que sim, que no “photo-finish” ético o comunismo merece um pouco mais de tolerância. Na nossa memória colectiva, os seus crimes são mais “estrangeiros” do que os do nazismo. Para além disso, o comunismo era supostamente uma decorrência do iluminismo, por via do marxismo, e por isso foi-nos sempre impingido como condição e consequência da libertação dos povos.

O marxismo era intelectual, ilustrado e científico, das classes altas e médias, prometia o Paraíso e tinha boa consciência. O nazismo era tabloide, ressentido e apelava directamente aos piores instintos do Homem. O marxismo e as suas derivações práticas declaravam-se humanistas. O nazismo alimentava-se, apenas, do humano. O problema do primeiro foi não ter percebido a natureza humana; o problema do segundo foi tê-la percebido demasiado bem.

Quando a desgraça do comunismo foi revelada, quando as suas bases científicas foram arrasadas, quando a sua legitimidade moral ficou em escombros, o que sobrou? Se virmos os partidos comunistas europeus que ainda restam, como o nosso PCP, ou os herdeiros de várias facções dos partidos comunistas antigos, percebemos que, tudo espremido, sobrou apenas o discurso conspirativo, o apelo inorgânico contra as “elites”, a crítica moralista à aspiração individual, a denúncia da venalidade, o espicaçar do ressentimento, a constante diabolização de inimigos externos, a combater com políticas “patrióticas” (“e de esquerda”). E, triste desilusão final, sobrou também o pessimismo antropológico: se o Homem quis como destino o capitalismo, então é porque o Homem é, afinal, intrinsecamente corrupto.

O ponto de chegada do longo fim do comunismo é este: por vezes é difícil distinguir o populismo comunista do populismo de direita, porque ambos apelam aos impulsos de um eleitorado que se sente antipolítico, antielitista, anti-intelectual e anticosmopolita.

Em muitos aspectos, é um eleitorado órfão de representação e com justas razões de queixa, e também por isso não pode ser deixado sem alternativa. Com atitudes como a de insistir na realização da Festa do Avante a meio de uma pandemia, só pelo interesse da receita gerada e quando nenhum outro festival do género se pode realizar, qualquer dia esse eleitorado já nem o Partido Comunista tem.

 

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