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15 de Agosto de 2017 às 18:30

O caso Google: quando a ideologia faz ricochete 

Preocupada com a falta de diversidade de género dos seus quadros, a Google pediu a um funcionário que ensaiasse uma resposta à pergunta que afecta a sua reputação: o que justifica que 80% dos empregos tecnológicos da empresa sejam ocupados por homens?

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No memorando que James Damore elaborou, as razões culturais não são escondidas: há enviesamentos históricos que ainda contribuem para a subalternização da mulher na maioria das actividades humanas. A Google não é uma excepção a essa injustiça estrutural.

 

Mas Damore aborda também outras razões, de carácter genético, navegando na controvérsia científica antiga entre os que defendem que homens e mulheres são seres absolutamente iguais, e que as diferenças de comportamento são determinadas apenas por categorias sociais, e aqueles para quem homens e mulheres vêm à partida equipados com cérebros sensivelmente distintos.

 

O memorando dá mais voz aos segundos. Para estes, os diferentes cocktails hormonais envolvidos na gestação de homens e mulheres fazem com que os primeiros sejam mais dados à "sistematização" - e gostem mais de "coisas" - e as segundas à "empatia" - e  gostem mais de "pessoas". Damore cita estudos conhecidos, de instituições e publicações reputadas (o memorando está disponível online - basta procurar, lá está, no Google).

 

Nele não diz que os homens são necessariamente melhores numas actividades e as mulheres inevitavelmente mais capazes noutras: em princípio, um homem e uma mulher estão igualmente preparados para qualquer actividade. Do que se fala é de gostos genuínos, da propensão ou inclinação natural para determinadas actividades.

 

É também isso, e não só a inércia sociocultural, que fará com que haja tendencialmente mais homens a optar pelas áreas da tecnologia e pelas engenharias, e cada vez mais mulheres do que homens, por exemplo, nas ciências sociais e humanas.

 

Se uma empresa tecnológica como a Google tem mais engenheiros do que engenheiras, é possível que uma das justificações seja o simples facto de haver mais engenheiros disponíveis do que engenheiras.

 

A recepção ao memorando foi de uma agressividade cruel para James Damore, que acabou despedido. Alguma imprensa internacional, com o Financial Times à cabeça, noticiou o memorando deturpando gravemente o seu conteúdo. O FT enfrenta actualmente uma acção proposta pelos seus trabalhadores do sexo feminino, que recebem em média menos 13% do que os seus colegas homens: não admira que o jornal tente a expiação por via editorial.

 

A própria Google encontra-se sob investigação nos EUA por causa de semelhantes discriminações. O despedimento de Damore não foi só uma vicissitude laboral: foi também uma estratégia de relações públicas e uma precaução judicial.

 

O que a Google não esperava é que a reacção à sua reacção fosse ainda mais dura, especialmente porque não veio dos habituais redutos intelectuais do reaccionarismo, mas de académicos e comentadores da imprensa "mainstream". A opinião geral é a de que Damore recorreu a evidência científica de utilização corrente no tema em causa.

 

Até no New York Times - esse bastião do liberalismo progressista - o colunista David Brooks defendeu há dias a demissão de Sundar Pichai, CEO da Google, por, qual Donald Trump, ter valorizado mais a ideologia da turba do que o aturado trabalho da ciência.

 

A emancipação feminina é um combate justo e urgente, contra quem acha que só uma ideologia vazia, sem justificação realista, o sustenta. A última coisa de que precisamos é dar armas aos seus inimigos.

 

Advogado

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