Opinião
Os trabalhadores a quem o lay-off não chega
O impacto mais grave da pandemia é sem dúvida suportado por aqueles cujos contratos cessam, ou não são contratados porque a atividade económica de que dependiam desapareceu ou se reduziu. Muitas vezes, ficam de fora dos apoios públicos porque a sua atividade vive na informalidade ou é sazonal.
Foi há pouco publicado pelo National Bureau of Economic Research um “working paper” que propõe uma explicação interessante para o fenómeno de agravamento das desigualdades de rendimentos nos Estados Unidos. A hipótese avançada e sustentada pelos seus autores – Anna Stansbury e Lawrence Summers – é que o essencial do aumento das desigualdades de rendimentos, nas últimas décadas, se deve ao declínio do poder dos trabalhadores na negociação salarial. Em mercados que não são perfeitamente competitivos, as empresas tendem a gerar uma “renda económica” (um lucro que excede o mínimo necessário para assegurar a continuação da atividade). Com uma representação coletiva dos trabalhadores que tenha peso, os trabalhadores acabam por partilhar dessa renda juntamente com donos das empresas, desde logo por via de salários mais elevados. Com a perda desse poder dos trabalhadores, a renda económica vai transformar-se em rendimento do capital – explicando a perda do trabalho relativamente ao capital na distribuição do rendimento e o aumento dos lucros e da capitalização bolsista associadas a poder de monopólio.
Sabemos que temos de ser cautelosos na transposição de explicações relativas aos Estados Unidos para o contexto europeu, até porque o fenómeno de agravamento das desigualdades de rendimentos se verifica com muito menor dimensão deste lado do Atlântico. Não sei assim se a mesma hipótese é explicativa da situação portuguesa, embora seja clara a perda de peso dos sindicatos na realidade laboral do país. Consensual será que continuamos com um fosso entre, por um lado, aqueles trabalhadores enquadrados nos clássicos contratos de trabalho, em que geralmente a representação coletiva tem efetivo poder e há cumprimento das regras legais que os protegem; e, por outro, as situações dos que trabalham sem essa proteção, por vezes enquadrados por imaginativas formas jurídicas pretendendo equipará-los a empresários. Nesta segunda categoria, a precariedade é muita e a proteção dos direitos laborais pouca.
As empresas portuguesas, dizem os estudos, prezam uma flexibilidade das relações laborais que se traduz em baixo investimento nos trabalhadores e é um forte fator explicativo das nossas baixas qualificações. Em caso de dificuldade, estes trabalhadores são naturalmente os primeiros a atirar borda fora.
A situação de pandemia exacerba estas condições preexistentes. Os trabalhadores sujeitos a lay-off suportam uma redução significativa dos seus rendimentos. Todavia, o impacto mais grave da pandemia é sem dúvida suportado por aqueles cujos contratos cessam, ou não são contratados porque a atividade económica de que dependiam desapareceu ou se reduziu. Muitas vezes, ficam de fora dos apoios públicos porque a sua atividade vive na informalidade ou é sazonal. Aqueles que não têm rendimentos recentes registados, porque não os declaram ou porque tendem a só declarar atividade numa parte do ano, ficam de fora de políticas que visam proteger da perda de rendimentos e que dependem da informação de que o Estado dispõe sobre esses rendimentos.
A situação dos trabalhadores dos espetáculos tem tido particular visibilidade porque aí se concentram três problemas – a paralisação total da atividade durante mais tempo, a precariedade dos vínculos laborais e a sazonalidade. A sua única vantagem é a razão pela qual ouvimos falar deles – a dimensão pública da atividade em que participam. O que me faz pensar que existirão milhares de outros nas mesmas desesperadas circunstâncias e dos quais nem sequer ouvimos falar.