Opinião
E colocar a canábis no Plano de Recuperação e Resiliência?
Na típica cabeça conservadora há uma imagem de um tipo de barba hirsuta, envergando uma T-shirt do Che, fumando um charro ao som do Bob Marley e discorrendo sobre a revolução e o fim do capitalismo. Está na altura de substituir esta imagem por outra mais adequada e mais moderna.
Nas eleições norte-americanas de novembro passado, mais quatro estados legalizaram o uso recreativo da canábis, com maiorias bastante robustas. Confirmando uma tendência dos últimos anos, o número de estados nestas condições é agora de 15 e não deverá ficar por aqui – foi apresentada na Câmara dos Representantes uma iniciativa legislativa para retirar a canábis da lista de substâncias proibidas pela legislação federal.
Este movimento de legalização não é apenas um fenómeno cultural, mas também económico. O mercado legal cresce a um ritmo de dois dígitos, estimando-se que atinja um valor de muitas dezenas de milhares de milhões de dólares ao longo desta década (uma projeção divulgada em dezembro pelo Business Insider apontava para um valor de 100 mil milhões em 2030). Isto acompanhado, naturalmente, por significativa criação de empresas e emprego, sobretudo no Colorado (porque avançou primeiro) e na Califórnia (pela dimensão do mercado). Adicionalmente, cria-se alguma receita fiscal para ajudar as finanças públicas.
Na Europa, o progresso neste sentido não tem acontecido ao mesmo ritmo, levando à curiosa conclusão de que os europeus são, neste domínio, mais conservadores do que os cidadãos do Arizona ou da Dakota do Sul. A forma como a cultura americana se espalha pelo mundo em outras questões faz-me pensar, contudo, que o mesmo movimento é inevitável por cá – criando uma oportunidade económica aos países europeus que avançarem primeiro.
No nosso país, o Parlamento legalizou, há três anos, o uso da canábis para fins medicinais, mas rejeitou quase em simultâneo a legalização para fins recreativos. A proposta contou apenas com os votos a favor do BE, do PAN e de 25 deputados socialistas (entre os quais eu próprio). O PS absteve-se e toda a direita, sem exceção, votou contra.
O nosso país não tem tradição de proibição de uso de substâncias análogas – basta olhar para o tratamento que é dado a substâncias mais nocivas para a saúde (como o tabaco) ou igualmente suscetíveis de alterar o comportamento (como o álcool). A explicação para esta votação está antes, segundo creio, nas representações mentais sobre o consumidor de canábis. Na típica cabeça conservadora há uma imagem de um tipo de barba hirsuta, envergando uma T-shirt do Che, fumando um charro ao som do Bob Marley e discorrendo sobre a revolução e o fim do capitalismo. Está na altura de substituir esta imagem por outra mais adequada e mais moderna.
Na altura desta votação, pareceu-me que estávamos a “vender” a ideia de legalização à direita pelo ângulo errado. Os nossos conservadores e liberais raramente se entusiasmam pelas questões de liberdade pessoal, mas prezam muito as da liberdade económica. Por este segundo ângulo, a questão da legalização do uso recreativo da canábis, fomentando em Portugal um cluster de produção, tem tudo para agradar à direita – e aos socialistas mais reticentes.
Na verdade, esta é uma atividade que desenvolve a agricultura nacional, tendo Portugal, reconhecidamente, condições propícias ao cultivo; que se pode implantar facilmente nos territórios do interior; que serve de base a indústrias inovadoras; que cria emprego qualificado em áreas como a química e a biologia; e que pode ser o embrião de um pujante setor exportador. Senhores liberais (verdadeiros ou fingidos), temos aqui todo um setor em que os empreendedores e criadores de emprego estão manietados por uma proibição do Estado e apenas à vossa espera.