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Opinião
23 de Fevereiro de 2016 às 20:35

A União Adiada Europeia

É provavelmente o verbo mais utilizado pela euroburocracia europeia. Adiar. Nem sempre de forma deliberada, mas muitas vezes por indução do método comunitário. Uma espécie de procrastinação sucessiva que só reage ao sobressalto da urgência.

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Um método de pequenos passos - nem sempre para a frente - em que os interesses se acomodam, e quantas vezes o conflito é adiado para que a urgência, uma qualquer crise, obrigue os atores políticos a uma tomada de posição. Nem sempre boa; mas quase sempre inevitável. Um intervalo para que tudo volte ao estado normal: um remanso contínuo de energias e forças controladas.

 

Foi assim (e é ainda assim) no caso da crise das dívidas soberanas, está a ser a assim na crise dos refugiados e, no caso do "Brexit" não foi muito diferente: o Reino Unido "formou" a crise, determinou a agenda - com Cameron a desenhar as quatro áreas em que queria alterações - e no fim a solução acomodou, provavelmente, o primeiro passo atrás num dos pilares fundamentais na União Europeia: a igualdade de direitos dos cidadãos europeus em qualquer Estado-membro. A possibilidade de suspensão de direitos sociais para nacionais de outros Estados-membros e a fixação de condições diferenciadas para o abono de família para não-nacionais é um passo atrás na não-discriminação. Mas foi possível porque perante a crise (que o resultado do referendo ainda pode trazer) os membros do Conselho escolheram o "mal menor": ceder nos valores à partida parece mais "barato" do que ver sair o Reino Unido.

 

No caso da crise dos refugiados, a questão é ainda mais lancinante: milhares chegam todos os dias, os "hotspots" na Grécia e em Itália não funcionam, enquanto máfias internacionais articulam redes de migração ilegal, colocando em risco a vida de gente que foge da guerra e da miséria. Ao mesmo tempo, Estados-membros, para quem a solidariedade europeia continua a transferir volumosas quantidades de dinheiro em fundos comunitários, bloqueiam a passagem de refugiados, levantam muros, e travam o mecanismo permanente de recolocação de refugiados. O mecanismo extraordinário também não funciona. A crise está aí, mas no essencial falta a capacidade de agir em tempo. Talvez o reforço da urgência que o bom tempo da primavera pode trazer -  com mais refugiados - traga uma solução. O próximo passo, que ninguém quer, mas que António Guterres, com a sua experiência, já anteviu, é o fim do Espaço Schengen tal como o conhecemos. A crise começa a levantar outras crises.

 

É por isso que, perante a "anestesia" monetária que o BCE administra, a construção da União Económica e Monetária (UEM) continua adiada, na qual aspetos como a mutualização da dívida ou a constituição de uma capacidade orçamental da Zona Euro se encontram em "stand by", e mesmo a União Bancária ficou por concluir. A Garantia de Depósitos Europeia já foi substituída por uma versão mais "soft" de seguro, e mesmo esta solução menos ambiciosa continua a encontrar escolhos em Estados-membros que continuam a dar prioridade ao controlo dos riscos da mutualização do risco bancário. A separação entre banca de investimento e banca comercial permanece por implementar. Mais uma vez: adiar até à próxima crise, mantendo a fragmentação que onera os custos de financiamento dos países periféricos, e debilita o setor bancário desses Estados-membros que padecem assim de maior perceção de risco por parte dos investidores. Por exemplo, a Grécia segundo os últimos dados apresenta mais de 30% (!) de NPL (Non-Perfoming Loans) e Itália mais de 16%. Para Portugal os dados apontam para mais de 13%.

 

Em Bruxelas, permanece a "cantilena" da convergência; mas a verdade é que há Estados-membros que preferem prosseguir uma estratégia de "risk control", de adiamento sucessivo, numa aceleração do processo de divergência económica, (bancária) e social, que irá esbarrar na próxima crise. Mas arrisco: esta minha perceção, que é cada vez mais reconhecida em Bruxelas, pode anunciar um verdadeiro tempo novo. Será a desintegração ou a integração forçada a "golpe" de crise. Não vai dar para ficar a meio da ponte.

 

Deputado do PS 

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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