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Revisão do Código da Publicidade: o meu contributo

O Governo lamentou-se por, até à semana passada, só ter recebido um contributo na consulta pública sobre a revisão do Código da Publicidade, que termina amanhã. Mas percebe-se: a consulta pareceu privada. Eu só dei por conta dela no dia 23, nos media.

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O assunto não merecia esta incompetência comunicacional do Governo: a publicidade infiltrou-se de tal forma em todas as formas de comunicação que a sua regulação legal é da máxima importância para os seus agentes, media e consumidores.

 

A revisão pretende consolidar num só texto estatal as normas do anterior Código e outras que foram sendo produzidas nas duas últimas décadas. E, como qualquer lei, o objectivo é não só regulamentar, como proibir. Algumas proibições são repetidas, como as relativas a conteúdos infantis, ao tabaco, etc. São desenvolvidas, e bem, proibições e normas quanto à publicidade de produtos financeiros, imobiliário, viagens, solários, empreendimentos turísticos, etc.

 

O Código em discussão alarga a regulação a comunicações pela Internet, nomeadamente a sites que não são considerados "comunicação social". Se há publicidade, se há transacção, o leitor, ouvinte ou espectador de um qualquer site deve ser informado, como sucede na rádio, TV ou imprensa. Estou de acordo.

 

O documento também obriga os media a identificar inequivocamente como publicidade "a promoção de bens ou serviços sob a aparência de opinião pessoal" ou "testemunhal". De acordo. Imagino a revolução que, se for aplicada, esta norma provocará nas revistas "cor-de-rosa", mas também em media tradicionais, incluindo os que se chamavam "de referência". Quando os "conhecidos" elogiarem o ginásio tal & coisas a revista terá obrigatoriamente de indicar que é publicidade.

 

Os "serviços de valor acrescentado", tipo 760 760 760, também são regulamentados, mas o código deixa em branco a quantidade da sua presença nos programas. Há dias, contei a sua presença em cerca de 95% do tempo de um programa de entretenimento generalista. Se não se regulamentar, o assédio continuará.

 

Há no projecto proibições e limitações exageradas. A obrigação de "controlo prévio" aos anúncios de telecomunicações é uma limitação inconstitucional da liberdade de expressão. Não é por haver muitas queixas que a liberdade pode ser coarctada. Se o Código prevê auto-regulação e meios de fiscalização e controlo imediatos ao início de campanhas publicitárias, esta limitação dos anunciantes de telecomunicações é discriminatória, além de inconstitucional.

 

O documento tem, a meu ver, três falhas graves. Não esclarece devidamente se duas actrizes numa novela podem elogiar um champô ou um banco.

 

Só considera a existência de publi-reportagem na imprensa, quando, na prática, ela existe, e muito, nos noticiários televisivos. Deste modo, o normativo sobre a publi-reportagem deveria ser alargado à TV, bem como à rádio e meios não-mediáticos na Internet.

 

Finalmente, uma referência à principal falha do documento: a fiscalização. Desde que escrevo sobre publicidade, verifico que a acção do Estado nesta matéria, se era pequena, tornou-se quase nula. O Estado demitiu-se de fazer cumprir o Código anterior. Quanto a este, é muito vago quanto à fiscalização da publicidade em geral: diz que ela compete à Direcção-geral do Consumidor (os cidadãos poderiam perguntar-se se ela ainda existe), mas deixa propositadamente de forma vaga o que sucede em áreas de actividade económica em que não existe fiscalização própria (como da ASAE, Banco de Portugal, etc.): "Devendo-lhe ser remetidos [àquela Direcção-geral] os autos de notícia levantados ou as denúncias recebidas". Levantados por quem? Denúncias recebidas por quem? Está implícito que não é pela própria Direcção-geral, pois alguém não especificado deverá "remeter-lhas". Traduzindo: quanto à fiscalização de publicidade em geral, zero, nada, como dantes. Assim sendo, para que serve o Código? Responda o leitor.

 

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