Opinião
[773.] Master Copper
Se, por exemplo, um banco mostrar uma família feliz abrindo conta na instituição, o anúncio não mente, porque se trata do exagero onírico ou ficcional.
Os publicitários são uns exagerados; a publicidade exagera; mas o exagero não é necessariamente mentira.
Há dois tipos de exageros em reclames. O primeiro é o onírico ou ficcional, que faz parte há séculos do género de comunicação publicitária. Se, por exemplo, um banco mostrar uma família feliz abrindo conta na instituição, o anúncio não mente, porque se trata do exagero onírico ou ficcional. Mesmo que aquelas pessoas não formem realmente uma família, mesmo que nenhuma família mostre alegremente os dentes brancos por abrir uma conta bancária, o observador do anúncio não se sente defraudado. Faz parte do contrato cultural da publicidade com a sociedade. Já no século XVIII o Dr. Samuel Johnson referia um anúncio avisando "todas as mães que não se perdoariam se o seu bebé morresse" sem o anunciado colar anódino que prometia curas. Acrescentava que os reclames "são preparados negligentemente, mas com cuidado", e tornou-se-lhes "necessário ganhar a atenção pelo exagero de promessas e por eloquência por vez sublime e por vezes patética. Promessa, grande promessa: eis a alma de um anúncio".
O segundo tipo de exagero diz respeito aos factos. O banco não pode indicar no anúncio uma comissão diferente quando se visita o site ou um balcão. O exagero factual é fraudulento, porque altera a realidade do produto ou serviço mostrado. Um anúncio de pasta dos dentes Oral-B mostrando em animação o efeito espectacular do seu uso avisa que é uma "dramatização". Já a milagrosa frigideira Master Copper, no seu reclame de dois minutos em diversos canais, inventa.
A DECO testou o utensílio de cozinha e comparou-o com dois semelhantes. As mentiras, segundo a DECO, sucedem-se, a começar pelo nome: promete cobre e cobre não há. As capacidades anti-aderentes anunciadas, menos uma, foram inferiores às concorrentes.
Segundo esta organização, inúmeros clientes sentiram-se enganados e apresentaram queixa. A DECO afirma que comunicou os resultados do teste à Direcção-Geral do Consumidor, um organismo do Estado que, quando reage, se é que reage, reage ao retardador. Veremos.
Os anúncios tipo "tele-vendas" são altamente exagerados. São geralmente feitos da mesma maneira: começam realçando uma grande qualidade do produto, a que se segue outra maior e outra e outra. É um nunca terminar. A narrativa vai em crescendo até à apoteose final. Além das qualidades do produto, oferece outros, o que sempre me surpreende: compra-se, sei lá, três facas absolutamente espectaculares e o anunciante ainda nos oferece todo um faqueiro, panos de cozinha e um livro de receitas — tudo pelo preço da primeira faca.
Estas ofertas são irresistíveis — se nos deixamos enganar. Mesmo que as três facas tivessem qualidades supremas, o preço seria altíssimo. No caso da frigideira Master Copper, que, parece-me, o Continente vende sem o nome da marca, é diferente, porque o cliente compra um produto que não demonstra em casa as características apresentadas na publicidade pelo putativo "chef" Juan Sanchéz. O site do Continente defende-se dizendo que a frigideira tem "revestimento cobreado" — o utensílio tem cor cobreada, lá isso tem, o que não tem é cobre.
Tão bom como o teste de laboratório realizado pela DECO é o teste realizado pela revista MAGG: reproduziu todas as receitas, dos ovos ao doce, e os preparados não só ficaram desconjuntados, como colados à frigideira.
Enquanto esperamos sentado pelo que a Direcção-Geral do Consumidor tenha a dizer, talvez já depois de terminar a campanha massiva na TV nacional, vista por milhões e que já motivou inúmeras queixas, fica-nos a certeza de que, se o consumidor não refila, este tipo de publicidade continuará a fazer milhares de vítimas.