Opinião
[768.] Publicidade juvenil: Sagres Cascade
Há hoje muita publicidade que posso caracterizar como juvenil, não pelo público-alvo, mas pela autoria. Vejo os anúncios e parecem-me feitos por rapazes e raparigas pós-adolescentes, acabados de sair dos cursos de Marketing e Publicidade.
Faltará aos publicitários uma "quarta classe das antigas", com leituras, que lhes dê mais bases para criarem, não "intelectualices", mas publicidade popular marcante, para o público-alvo e para todos quantos a contactem?
A nova cerveja de Sagres, Mini Cascade, começou com uns minianúncios vídeo, de cinco ou seis segundos, em torno dum slogan em simultâneo afirmativo e interrogativo: "Fácil de beber. Para quê explicar?" O observador não se interroga (embora pudesse) por que raio haveria de ser difícil de beber. O objectivo é estacionar a marca na categoria das minis, em que a concorrência é forte, incluindo outra da própria empresa. Diz que é fácil de beber para convidar à experiência, passo fundamental para dar arranque à quota de mercado. E "para quê explicar?" Porque precisa de explicar. Esse é o segredo dos anúncios.
Em cinco segundos um dos intervenientes explica ao outro de que é feita a nova bebida, o seu sabor, etc. Dado que ela se distingue pelo lúpulo usado no fabrico, a publicidade precisava de explicar a diferença, a oferta única para a compra. Mas, ao mesmo tempo, isto de cervejas para as massas não vai lá (só) com explicações, pelo que se afirma que ela "é fácil de beber". O processo de o mostrar em cinco segundos foi engenhoso: o som das palavras do protagonista que explica ao outro a cerveja desaparece em "fade out" enquanto o outro protagonista começa a bebê-la, porque "é fácil". Pena que não se perceba bem o que dizem os protagonistas. Falam com o sotaque dos jovens urbanos de hoje. A necessidade de explicar o produto é tão grande que num anúncio de mupi o slogan é "a suavidade vem do lúpulo".
Menos dum ano após o lançamento, esta cerveja reaparece em cartazes pelas ruas. Diz o título de um: "Para quem não ia muito à bola com cerveja, esta vai num golo." Será que o lançamento não correu bem? O Doutor Freud explicaria ao publicitário no divã que aquele "não" beber cerveja na frase se aplica à própria que é anunciada. Mas, como nos sonhos, os criativos embrulharam a negativa. Com quê? Com futebol, what else? "Não ir à bola com", metáfora para não gostar de alguma coisa; "golo", aqui num jogo de palavras entre a porção que se engole e a marcação de um ponto na baliza. A ideia é sempre o convite à primeira prova do produto. Outro cartaz diz: "Se não conseguiste dizer 'cazqueide' à primeira, pede a segunda." Não há acordo gramatical entre "à primeira" e "a segunda". Duvido de que quem passe a correr pelo anúncio absorva a graçola. Outro cartaz diz: "Suave. Para quem gosta de cerveja e para quem achava que não." Os anúncios são visualmente simples, com o título em grande destaque e a garrafa num fundo principalmente verde, simulando a cor do lúpulo. A cor serve para novo recurso a metáfora: "Tão aromática que as outras vão ficar verdes de inveja."
Como é vulgar, os anúncios baseiam-se principalmente na retórica verbal, deixando a retórica visual em segundo plano (dá mais trabalho criar publicidade em que a imagem se sobrepõe à mensagem verbal). O mesmo se pode dizer de outra campanha de um produto da mesma marca, a bebida de maçã Bandida do Pomar. O slogan, para a rapaziada, estabelece a analogia com o produto hortícola "tomates" como sinónimo de testículos, como sinónimo de coragem: "Prova que tens maçãs."
Esta retórica verbal juvenil está presente de forma crescente na publicidade nacional. Faz-me lembrar uma das críticas que o padre Manuel Bernardes (1644-1710), enorme escritor desaparecido das escolas e das estantes, fazia aos maus oradores barrocos: o estilo que seguem, "devendo ser grave, claro, modesto e eclesiástico, muitas vezes não é senão mui juvenil e ataviado, mui escuro e de poetas ou farsantes".