Opinião
[759.] Fundação Gulbenkian, FIFA
Fundação Calouste Gulbenkian permanece a principal fornecedora nacional de cultura erudita. O seu papel nos últimos 60 anos tem sido insubstituível. Contribuiu de forma decisiva para a formação de artistas e de públicos.
Com um maior empenho do Estado (Ministério, CCB, Serralves, autarquias) e de outras fundações privadas nas últimas décadas, a Gulbenkian deixou de sentir a mesma pressão para ocupar o vazio e tem desviado recursos para outras áreas, nomeadamente a investigação científica e a saúde.
Ao mesmo tempo, a sua programação musical sofreu ligeiramente. De uma escolha de primeiríssima ordem está agora entre a primeira e a segunda ordem. Os programas de sala pioraram, perderam em apuro. A televisão, a que a Gulbenkian, por snobismo, nunca deu a mais ínfima atenção, entrou felizmente como linguagem no seu principal auditório nas transmissões de ópera do Met de Nova Iorque. E os seus anúncios de concertos deslizaram ligeiramente para uma concepção pop da cultura. Os músicos (maestros, cantores, solistas) são mostrados como ícones pop, porque são "giros", e os anúncios reduzem a informação programática ao mínimo, remetendo o observador para o site na Internet; valorizam ainda mais, assim, a cara do músico mostrado, que é quase a única informação disponível nos anúncios.
Essa alteração ideológica na forma de se apresentar na publicidade, que coincide com o relax na programação, foi particularmente visível na contratação do novo maestro titular da Orquestra Gulbenkian em 2017. Um título no site da Fundação exprime aquela mudança: "Lorenzo Viotti, 27 anos, surfista, é o novo maestro da Gulbenkian." O site destacava o título de uma notícia de jornal, do Público… que destacava a nova imagem que a Gulbenkian pretendia passar. A ideia foi apanhada por outros jornais. O Observador também destacou o "surfista de 27 anos". O DN espicaçava assim o leitor: "Conheça o maestro de olhos verdes que vai dirigir a Orquestra Gulbenkian." A primeira fotografia do artigo mostrava o maestro de calções de praia, saindo molhado do banho. Eu tenho aquela ideia antiquada de que para se conseguir novos públicos e públicos jovens para a música erudita se deve fazê-lo através da música erudita, de forma imaginativa. Mas a Gulbenkian parece tentada pela farsa pop (também já um pouco antiquada, convenhamos) de querer arranjar novos públicos para a música através da imagem. Como sublinhava o Observador para alegria do novo marketing cultural da Gulbenkian, o surfista "já foi fotografado para a Vogue italiana". E o site da RFM excitava-se todo, como que atingindo o clímax desta campanha de marketing: "O novo maestro da Gulbenkian de que todas as mulheres falam! É giro que se farta."
Mudando de tema. O vídeo de promoção do Mundial da FIFA que introduz cada um dos jogos inspira-se directamente na apresentação da série "Guerra dos Tronos". Tanto que é um pouco demais. Também digital do princípio ao fim, o curto vídeo sobrevoa em simultâneo o futebol e a Rússia. Vêem-se, em movimentado plano aéreo, estádios e monumentos icónicos e símbolos da Rússia, como a Praça Vermelha, o Bolshoi, o Kremlin, o comboio trans-siberiano, o Sputnik e outros. Em simultâneo, estádios, jogadores, a bola e bandeiras dos países que competem, estando a portuguesa em destaque. E não só: também uns míticos dragão e ave de rapina, um estádio em forma piramidal, gigantesco, estátuas também sobredimensionadas e não falta a neve tipo Reino do Norte, apesar de o calor húmido ser a nota meteorológica dominante do Mundial. Onde a apresentação da "Guerra dos Tronos" é brilhante e popularmente artística, a apresentação dos jogos da FIFA é "kitsch". Não admira que tenha tanto êxito. Em ambos os casos, felizmente, a guerra é apenas ficcional e ajuda à catarse das feromonas dos adeptos.