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[750.] Century 21, Euromilhões, Conforama

Ia tendo um acidente de automóvel ao ver um anúncio da imobiliária Century 21 Portugal num mupi à beira da estrada: o cérebro bloqueou-se-me quando tentei absorver o slogan "Fazemos tudo por sua casa".

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Passei, li, travei, fiz marcha atrás, reli - e fiquei no meio da estrada.

 

Há jogos de palavras que funcionam. Outros não. Transformar a expressão "por sua causa" em "por sua casa" é demasiado gongórico. A marca tem variantes que funcionam, como "Fazemos tudo para que venda a sua casa" ou, melhor, "Fazemos tudo para que venda bem a sua casa". Mas os publicitários não resistiram ao jogo de palavras a partir da troca de "causa" por "casa". O resultado soa artificial e incompreensível à primeira leitura; quando se entende, só sugere um sorriso amarelo.

 

A tentação do risco é, para os publicitários, perigosa, pois, se falham, arrastam o cliente consigo. É bom que corram riscos, mas, se há consciência deles, é avisado testar com grupos de foco, etc. Outros publicitários sentiram-se tentados quando viram no calendário que este mês o dia 13 coincidia com uma sexta-feira. Vai daí, fizeram a campanha do Euromilhões dizendo "Esta sexta-feira 13, só vai ter medo quem não apostar". Esqueçamos a vírgula em excesso, fiquemos pelo conteúdo. Está giro, não é? Na TV, usaram excertos de filmes de terror, ou cópias da linguagem desses filmes, para acentuar o "medo". A meu ver, precipitaram-se; não porque a campanha estivesse mal, pelo contrário, mas porque só fazia sentido a partir de terça-feira às 19h00, isto é, depois do sorteio anterior. Quando contactei a campanha pela primeira vez, no fim-de-semana anterior, tive outro bloqueio cerebral, este mais ou menos assim: o quê? Na terça-feira não há sorteio? Ou há sorteio especial na sexta-feira? Tive de perguntar a uma especialista em Euromilhões, que me explicou que não, que havia sorteio normal na terça, que havia sorteio normal na sexta, 13, que aquilo eram só brincadeiras publicitárias. O valor do prémio de sexta ("apenas" 17 milhões - azar de sexta, 13…) só depois do sorteio de terça-feira pôde ser acrescentado à mão de zombie nos anúncios. O erro foi o calendário da campanha ou, como se diz em português, o "timing".

 

Um anúncio de Conforama na TV repete anteriores, e diz repetidamente: "DIAS SEM IVA", "TUDO SEM IVA!". Vamos a ver e o "tudo" é a habitual hipérbole publicitária em acção, pois, em baixo, em letras minúsculas e dez vezes menores, o anúncio acrescenta "Em móveis". Não foi isso, entretanto, que me chamou a atenção, mas a ideia de que os produtos estão à venda "sem IVA". Recordo o sururu que aconteceu no final de 2009 quando os supermercados Pingo Doce tiveram por base uma campanha nesta ideia: "No Pingo Doce, o aumento do IVA é zero." Tratava-se de dizer que, apesar do aumento do imposto em 1 de Janeiro de 2010, a marca manteria os preços. Na altura, a TVI, medrosa, solicitou um parecer sobre este conteúdo ao Instituto Civil de Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP). O ICAP gosta de ralhar ou censurar, e quis castrar a linguagem metafórica e hiperbólica da mensagem considerando que a campanha dizia que no Pingo Doce não haveria aumento de IVA, o que não era factualmente verdadeiro. Isto depois de os mesmos espectadores que viam o anúncio terem sido bombardeados com centenas de notícias sobre o aumento do IVA a 1 de Janeiro. O parecer do ICAP era tão hiperbólico na visão castradora da linguagem como a hipérbole do anúncio (ver O Manto Diáfano n.º 391).

 

Foi isto há quase dez anos. Entretanto, os senhores e as senhoras do ICAP, cansados de tanto trabalho para a emissão desse parecer em 2009, nunca mais nos deram conhecimento de se pronunciarem sobre mensagens que dizem exactamente o mesmo. E têm sido várias. Agora chegou esta. E, caramba!, as letras no ecrã são garrafais.  Força, Conforama! Tudo o que for contra os impostos, mesmo a fingir, é bem-vindo!

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