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[618.] "Não haverá publicidade"

A publicidade nos media digitais é tão pobre que se coloca a questão: é mesmo para ser assim? Em dez anos, não encontrei até hoje mais de meia dúzia de anúncios digitais nos media que valesse apenas realçar nesta coluna.

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De duas, uma: ou os publicitários ainda não encontraram o tom certo para o novo formato; ou é para ser mesmo assim. Até hoje, é a segunda hipótese. Os anúncios na internet permitiram o Shangri-la da publicidade: vasculhando nos dados, pode saber-se quem os viu, quem consultou a marca e o produto; pode dirigir-se a publicidade (quase) até ao indivíduo concreto que teve a curiosidade de a conhecer. Deste modo, a criatividade é menos importante. Se o anúncio é consultado pelos aspectos básicos da comunicação - mostrar o produto, com uma frase atraente, em geral com suspense - para quê recorrer ao sonho e ao desejo?

 

Na publicidade digital venceu, por escolha, a esterilidade criativa, dissociada dos valores estéticos e artísticos. Regressou aos seus primórdios, nos séculos XVII e XVIII: duas ou três frases com informações básicas, slogans simplistas, e uma imagem descuidada.

 

Empresas anunciantes e publicitárias vingaram-se dos preços da página ou do minuto nos media tradicionais e encontraram no digital a zona de conforto. Se estão no digital, decerto encontram eficácia no retorno dos contactos e das vendas. Como condená-los, se tal (ainda) se verifica? Interessa-me, aqui, porém, a forma como estão: sem graça, sem sonho, sem criatividade superior. Só alguns tipos de produtos não prescindem da dimensão onírica, caso, por exemplo, da perfumaria. Como vender cheiros sem colocar o produto num patamar altíssimo de "imagem de marca" e sem desencadear no observador um desejo de capacidade de atracção e de autoconfiança? Esse tipo de publicidade diminuiu, enquanto as plataformas e redes sociais se enchiam de anúncios básicos, brutos. O que é a Amazon senão um catálogo de venda directa, com a publicidade  em forma de comunicado de imprensa?

 

No seu livro mais recente, Michael Wolff, um provocador do ensaio, alerta, entretanto, para outra consequência da publicidade nas redes como o Youtube, Twitter ou Facebook: a publicidade, nestes meios, separa-se dos conteúdos, como acontece ainda na televisão, na rádio ou na imprensa, os meios "velhinhos" de quem as Cassandras anunciam a morte a cada ano que passa. A publicidade digital, longe dos conteúdos, deixa de promover o desejo e o sonho através de narrativas para pôr "a caixa registadora perto do consumidor" - e ao lado dos nossos postes  no Facebook sobre a vizinha ou outras inutilidades.

 

Neste livro, com título e subtítulo bombásticos, Wolff afirma que "a televisão é a nova televisão" e estabelece "o triunfo inesperado dos velhos media na era digital". Chama a atenção para o facto de que não é a televisão e outros media que estão a morrer, mas a publicidade: "O resultado final é que não haverá publicidade, publicidade do género que acreditava em investir largas somas de dinheiro para transformar atitudes e comportamentos. Haverá, em vez disso, mais processo e eficácia, coisas em que a tecnologia é boa, mas que mina a singularidade dos media [publicitário] e, portanto, o seu valor."

 

O digital, tal como o catálogo colocado na caixa do correio, está liberto da parasitagem habitual da publicidade colocada nos "velhos" media. Mas estes têm conteúdos, os conteúdos de prestígio ou de grande atracção popular. É a vizinhança entre conteúdos atraentes e de qualidade e os anúncios que dá vida económica aos velhos media e vida criativa à publicidade. E, sem criatividade, a publicidade como a conhecemos morre. 

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