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[617.] Lisbon South Bay

O uso do inglês no marketing e na publicidade começou pela apropriação de palavras relativas às próprias tarefas da profissão, mas do jargão interno passou às mensagens públicas, ao mesmo tempo que o inglês, qual novo latim ou novo francês, assentava arraiais na linguagem comum à medida que o mundo se tornou uma aldeia global.

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Três municípios da Margem Sul do Tejo chamam agora à sua iniciativa capitalista conjunta "Lisbon South Bay". Chamaram "naming" à operação, pois nem baptismo, nem denominação, nem designação lhes ocorreu ou pareceu bem.

 

E foi pelo "naming" que nasceu esta associação de Almada, Barreiro e Seixal. O "naming" é tão importante que, não só resulta da consulta de "mais de mil entrevistas" (terão sido em inglês?), como só por si, dá "força à estratégia", segundo o edil do Barreiro. É tão poderoso que "vai levar a uma nova marca, que será agora trabalhada". O munícipe esqueceu-se de traduzir o acto de criar a nova marca por "branding", o que foi pena, pois ficaria mais imbuído do espírito capitalista.

 

Em resumo, fizeram-se mais de mil entrevistas para consagrar o "naming" numa operação de "marketing" que originará o "branding" da "Lisbon South Bay". O objectivo é, digo eu, atrair mais "investors" e mais "investment".

 

O nome é para estrangeiros, mas magoou muitos portugueses, que transformaram a sua irritação em piadas por essa Internet fora. Que o inglês é a língua franca, ninguém duvida, mas era preciso esta "Lisbon South Bay"? Algum investidor chegará ao seu conhecimento, entendê-la-á melhor ou investirá nela por causa do nome em inglês? A denominação foi apresentada no Barreiro, não em Londres ou Nova Iorque. Para já foi uma operação política portuguesa, o que um dos autarcas deixou passar criticando o governo por não estar presente na "ceremony".

 

Tratou-se de fazer a declaração de independência dos três municípios, tendo em conta que fazem parte de outras estruturas, englobando a Margem Norte do Tejo, incluindo Lisboa, como o Arco Ribeirinho. Com mil entrevistas - uma espécie de sondagem que ratifica o mandato de representação política - os autarcas sentiram-se confortáveis para avançar com a designação. Agora falta o resto, que é tudo, a começar pela criação da marca. Parte-se do nome para o resto, o que é no mínimo estranho.

 

Em termos analíticos, o nome Lisbon South Bay tem que se lhe diga. Desde logo porque tenho dúvidas de que "baía" seja uma denominação correcta. Nunca ouvi falar em "baía" num estuário, incluindo no do Tejo (o "Tagus estuary"!), mas posso estar enganado. Depois, porque os municípios agregados na iniciativa se apropriaram do nome de Lisboa sem que Lisboa faça parte do projecto. Deste modo, a iniciativa dos três municípios da "Lisbon South Bay", ou "Baía Meridional de Lisboa", nem tem baía nem tem Lisboa, o que é uma originalidade do "marketing" e do "naming", mas principalmente da "politics".

 

A denominação "South Lisbon Bay", tanto como apropriar-se da fama de Lisboa, visou também iludir o preconceito da vizinhança com a capital. Em muitos países, existe um amor-ódio da população fora da capital para com a capital, o que é compreensível. A capital de um país é amiúde beneficiada só por o ser, diminuindo as capacidades de desenvolvimento de outras cidades ou regiões. No presente caso, os três municípios querem afastar de vez a denominação que, há séculos, até ela, os coloca linguisticamente na dependência de Lisboa: a Outra Banda. Mas talvez "Lisbon Other Side" não ficasse mal. 

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