Opinião
[558.] Montepio: o fim da luta de classes
No sentido de alargar a sua base de clientes entre as empresas, o Montepio fez uma campanha centrada num anúncio televisivo narrativo, com um minuto e meio na sua versão completa. Conta uma estória duma empresa portuguesa à saída crise inaugural do século XXI.
É uma empresa dinâmica e exportadora. A narrativa é muito concentrada e explicativa. São três os lugares da acção: Xangai, a empresa em Portugal e um navio. A empresa está também dividida em três partes: o escritório dos patrões, a área dos colarinhos brancos - criativos, escriturários - e a área dos colarinhos azuis, os operários.
Xangai: os arranha-céus. O empresário português, um homem com menos de 40 anos, dirige-se à sede duma empresa chinesa e aguarda a chegada do empresário chinês. Assinarão um contrato de exportação? É a nova China: o empresário de Xangai é um homem ocupado, que vai fechando negócios enquanto caminha para a reunião. Montagem paralela: em Portugal, o sócio espera a comunicação de Xangai pelo computador e telemóvel. Num momento ficcional um pouco surrealista, há um navio que espera no porto pelas ordens para partir. Na fábrica, os operários olham esperançosos para o andar superior, mas o encarregado nada confirma para já. No plano contrapicado das suas cabeças viradas para cima, parecem uma massa que aguarda a intervenção divina. Os criativos - desenham sapatos - também estão na expectativa no andar superior. Um empregado de fato e gravata vem à porta dos patrões para saber notícias. Nada por enquanto. Em Xangai, o sócio faz uma apresentação na sala de reuniões da empresa chinesa. O empresário chinês consulta um dossier enquanto chega finalmente à sala. A cara enigmática transforma-se num sorriso e o acordo é selado com um aperto de mão. O empresário português regressa confiante. Na fábrica em Portugal, festejam, no primeiro andar os do escritório, no andar de baixo os operários. Festejam também os criativos e, no porto, os estivadores e o comandante do navio, que segue para o mar alto.
Na versão longa do filme, há um interlúdio para falar do Montepio, enquanto se mostra o mundo do calçado na moda e em sapatarias, uma chinesa e uma no Chiado. Regressa-se à narrativa: de volta a Portugal, o empresário sai do carro, chega à fábrica. É festejado por todos como um herói. Primeiro, o sócio. Depois, os operários, vestidos de azul - blue collar, como manda a teoria. Há, então, um momento de festejo de grande ternura, de emoção social: o patrão faz uma festa na cabeça dum operário, agarrando-lhe a cabeça com as duas mãos. Há punhos erguidos no ar, mas não, não é isso que o leitor está a pensar, é um sinal de vitória na união das classes. O patrão grita um hurra, todos gritam e no plano geral final todos estão juntos em redor do patrão.
No filme Metropolis, de Fritz Lang (1926), a multidão operária, depois de criar o caos e quase levar à destruição da civilização e das próprias famílias, é reunida pelo herói, filho do autoritário governante, e pela heroína. À porta da catedral, ele, que representa a razão, e ela, que representa o coração, promovem o aperto de mão entre o autoritário, muito composto, mas rendido à colaboração das classes, e o chefe operário, que, acabrunhado, agora pequenino depois do caos, dá o aperto de mão ao chefe.
O anúncio do Montepio tem uma semelhante proposta de final da luta de classes em Portugal. Emergindo do caos da crise, o líder racional consegue que um novo dono do mundo, o capitalismo importador chinês, salve a empresa. Portugal depende deles, está expectante, como o capitão do navio de carga e os estivadores do porto, como os empregados de escritório, os desenhadores de sapatos e os operários lá em baixo, todos nas mãos de um sorriso e de um aperto de mão em Xangai. Quando o líder chega, ele representa a salvação da fábrica, da empresa, da economia. Todos festejam o patrão e o patrão faz a festa na cabeça do operário agradecido.
Este anúncio é uma ficção, um desejo de crescimento económico na paz social. Quem sabe se a ficção é realista na representação do momento que vivemos.
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