Opinião
[508.] Toshiba
A frase de acesso ao anúncio diz: "É mais fácil isto acontecer do que um Toshiba avariar". O desenho mostra um urso a andar de bicicleta. Por baixo do urso, acrescenta-se: "Mas, se avariar, a Toshiba repara e ainda lhe oferece outro portátil." O restante texto explica algumas das condições para o comprador de um Toshiba se poder candidatar a esta promoção.
A oferta é altamente improvável, nos termos do próprio anúncio, pois é mais raro acontecer do que um urso andar de bicicleta. A oferta é válida para determinados modelos, durante o primeiro ano, correspondendo assim a uma garantia aumentada, pois, além da reparação, o cliente recebe outro portátil.
No site da marca, os criativos atrapalharam-se com a língua portuguesa e nesta frase dizem exactamente o contrário do que pretendiam dizer: "a probabilidade de um Toshiba avariar é superior à mais improvável probabilidade."
Volto à frase "É mais fácil isto acontecer...", não pela sua qualidade literária, mas pelo recurso ao "isto". Geralmente, a relação entre a frase de acesso e a imagem de um reclame não é explicitada nem no texto nem na imagem. Essa relação existe, o observador sabe que ela existe, mas o publicitário não vai além da co-presença de texto e imagem. Isso permite o recurso a metáforas e outras figuras de estilo, ora no texto, ora na imagem, estimulando a imaginação do observador, pois uma metáfora só se completa se o observador a entender. Desse modo, muito do carácter lúdico da publicidade actual está nesse convite à viagem metafórica, completada quando o observador junta o jogo entre as palavras e a imagem do anúncio.
O anúncio da Toshiba prescinde desse jogo e estabelece a relação explícita entre a frase e a imagem: o advérbio "isto" refere-se ao urso andando de bicicleta. A frase implica uma relação quantitativa entre as duas situações: diz que, em termos de probabilidade estatística, os portáteis da marca avariam menos vezes do que os ursos andam de bicicleta.
O exemplo está bem escolhido. Primeiro, porque o desenho é giro. Repare-se que o urso vai por uma estrada secundária, quase um caminho, mas, ao fundo, a silhueta de uma grande cidade não deixa o observador ficar de fora da realidade, pois o observador vive quase de certeza num ambiente urbano. É para proporcionar a identificação do observador com o desenho que a cidade lá está.
Segundo, porque nos circos há, de facto, ursos pardos que andam de bicicleta, de triciclo, de mota e de outras variantes de veículos. Portanto, os publicitários escolheram um exemplo que existe e que pode ser confrontado com a realidade. Se tivessem escolhido um exemplo impossível, mesmo da linguagem comum, como um porco a voar, não manteriam a ténue relação com a realidade que a frase implica (é raro os portáteis da marca avariarem) e com a promoção (se isso acontecer, etc.). Apesar do basismo do "isto" na frase, o anúncio conseguiu a eficácia no recurso a uma imagem invulgar que, mesmo sendo-o, mantém âncoras com a realidade a que o observador se possa agarrar.
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