Opinião
A transparência na era do "Big Brother"
A esmagadora maioria dos documentos existentes no Estado (e nas IPSS) passou, automaticamente, com a nova lei, a ser inacessível aos cidadãos. É o fim da transparência.
Portugal teve, durante cerca de 20 anos, uma das leis de acesso mais progressistas do mundo. A partir de 1993, qualquer cidadão passou a ter o direito de aceder a toda a documentação do setor público, sem ter sequer de fundamentar ou explicar o pedido. As exceções (ou limitações) eram mínimas. E em 2007 esse direito foi alargado, para abranger também as organizações da economia social - IPSS e outras entidades financiadas maioritariamente por dinheiros públicos.
A nossa lei era um bom exemplo. E teve um impacto muito positivo: no combate à corrupção, na criação de um clima de maior confiança, na promoção da participação dos cidadãos, na eficiência dos serviços. Isso não quer dizer que estivesse tudo bem, ou que não houvesse margem para melhorar. Ao longo dessas duas décadas houve alterações importantes a muitos níveis - tecnológicas, sociais, económicas, ambientais. Assim, já no novo século, foram identificados alguns aspetos a justificar maior reflexão e a possível revisão da lei:
- A obrigatoriedade de divulgação ativa da informação através dos sítios da internet, tornando o acesso mais rápido e cómodo;
- A promoção da existência de responsáveis pelo acesso em todos os serviços, para promoção de uma verdadeira cultura de transparência;
- A revisão do regime aplicável à economia social;
- A articulação (e o equilíbrio) entre o regime de acesso e a proteção de dados pessoais.
O atual Governo, ciente dessas questões, tomou a iniciativa e enviou para a Assembleia da República uma proposta, que acabaria por dar origem à nova Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) - Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto.
O que mudou com a nova lei? Criou-se a obrigatoriedade de disponibilização de vários documentos nos sítios da internet. Que documentos? Os principais instrumentos de gestão: planos e orçamentos, relatórios e contas, balanço social e outros instrumentos similares. É um avanço significativo. Ficou, no entanto, por regular a monitorização do cumprimento da lei. Sem quaisquer sanções, nem mecanismos de monitorização, corre-se o risco de ficar tudo na mesma - incumprimento generalizado desta (nova) obrigatoriedade.
Sobre os responsáveis pelo acesso pouco se avançou - além de uma maior definição das suas responsabilidades. E sobre a aplicação da lei às organizações da economia social não se acrescentou uma linha.
No entanto, a alteração mais relevante diz respeito à proteção de dados. Com a nova LADA, os documentos que contêm dados pessoais - todos os dados respeitantes a pessoas singulares, como por exemplo o nome - passam a ser de acesso reservado. Ou seja, a esmagadora maioria dos documentos existentes no Estado (e nas IPSS) passou, automaticamente, com a nova lei, a ser inacessível aos cidadãos. É o fim da transparência. E representa uma vitória estrondosa da proteção de dados sobre a transparência e o combate à corrupção.
Estamos perante um retrocesso inaceitável, em contraciclo com o que está a acontecer noutras latitudes. Passámos do 8 para o 80, em clara violação da Constituição da República Portuguesa (veja-se o n.º 2 do artigo 268.º). Como dizia Norberto Bobbio em 1988, "o ideal do poderoso foi sempre poder ver todos os gestos e escutar todas as palavras dos seus súbditos (possivelmente sem ser nem visto nem escutado por eles)". Em Portugal, esse sonho ou ideal (do poderoso) é já uma realidade.
Vieira da Silva na Universidade de Verão Montepio-UAL
Está a decorrer, desde o início da semana, na UAL, a Universidade de Verão Montepio-Autónoma 2018 "Economia Social e Proteção Social".
Esta iniciativa conta com cerca de 60 participantes, entre alunos e professores e é o fruto da colaboração entre duas entidades da economia social: a Associação Mutualista Montepio Geral e a Cooperativa de Ensino Universitário, detentora da UAL.
Esta quinta-feira realiza-se o jantar de encerramento, com os participantes e com líderes das várias famílias da economia social, que será presidido pelo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Confederação Portuguesa da Economia Social
No passado dia 21 de junho, foi celebrada a escritura de constituição da Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES). As nove entidades fundadoras representam praticamente o universo das entidades da economia social: cooperativas, mutualidades, misericórdias, outras instituições de solidariedade social, associações de desenvolvimento local, fundações e coletividades de cultura, recreio e desporto.
Relembre-se que a economia social portuguesa representa mais de 6% do emprego remunerado a tempo completo e cerca de 3% do VAB nacional, estando implantada em todo o território nacional.
Vice-presidente da direção da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico