Opinião
Trabalhadores em mobilidade internacional
Tendo presente os objetivos a atingir e a conjuntura económica vigente, não podemos deixar de dar os parabéns à Comissão pelo trabalho desenvolvido, o qual, no âmbito da mobilidade social, não deixou de abranger algumas das questões primordiais da mobilidade internacional de trabalhadores.
Neste contexto, são de destacar as alterações propostas ao conceito de residência fiscal em território português, que passa a prever que os contribuintes que transfiram a sua residência para outro país, deixem de ser considerados como residentes fiscais em Portugal a partir do último dia de permanência em território português e que, no ano de chegada ou de regresso a Portugal, qualifiquem como residentes somente a partir do dia da sua chegada.
O conceito de residência, atualmente em vigor, impõe que o contribuinte, sendo residente fiscal em Portugal, seja tributado sobre a totalidade do rendimento auferido, quer em Portugal quer no estrangeiro, desde 1 de janeiro até 31 de dezembro do ano em causa.
Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRS convidando juristas, economistas e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje, Ana Duarte analisa as regras que visam facilitar a mobilidade internacional.
Esta é uma das regras do Código do IRS que gera maior litigância entre a Autoridade Tributária e os contribuintes em situação de mobilidade internacional, dado que, a mesma, se traduz frequentemente em situações de dupla tributação de rendimentos.
Poderíamos ser tentados a pensar que estas dificuldades fiscais na mobilidade internacional se cingiriam aos anos de início e término da mobilidade, em que o contribuinte qualifique como residente fiscal em Portugal. Infelizmente, este não é o caso, pois mesmo nos anos em que o contribuinte qualifica como não residente fiscal em Portugal, o Código do IRS estabelece um conceito de rendimento do trabalho de fonte portuguesa que potencia a dupla tributação. No Anteprojeto é proposto uma alteração a este conceito, passando a só serem tributáveis os rendimentos decorrentes de atividade exercida em território Português.
Contudo não podemos deixar de constatar que, apesar de terem sido propostas medidas relevantes, muito fica ainda por fazer, no sentido de colocar o sistema fiscal português ao nível do sistema fiscal de outros países da União Europeia e de colocar as nossas empresas em pé de igualdade com as congéneres de outros países, no que se refere aos custos fiscais inerentes a colaboradores em mobilidade.
Vejamos, somente a título de exemplo, o sistema fiscal espanhol, no qual os contribuintes residentes fiscais em Espanha, que também exerçam atividade no estrangeiro, digamos por exemplo em Portugal, podem ficar isentos de tributação até um montante anual de rendimento do trabalho de 60.000 Euros. Esta isenção, para além de funcionar como medida de desburocratização do sistema fiscal, também tem funcionado como medida de captação e retenção em Espanha de quadros com funções também fora de Espanha.
Por outro lado, o sistema fiscal espanhol também já reconhece que, quando o contribuinte se desloca para o estrangeiro, para aí exercer atividade, e a entidade patronal suporta os encargos com uma habitação no estrangeiro, este encargo da entidade patronal, contrariamente ao previsto na legislação portuguesa, não configura um benefício tributável para o colaborador. Entendemos que esta regra é da mais elementar justiça, até porque, em inúmeras situações, o contribuinte continua a suportar o encargo da sua habitação no país de origem. Nesta perspetiva, o custo de uma mesma habitação disponibilizada a um colaborador, é substancialmente mais dispendiosa para uma empresa portuguesa do que para uma empresa espanhola, uma vez que a empresa portuguesa terá de disponibilizar um valor muito superior ao seu colaborador para que este, após impostos, tenha liquidez para fazer o pagamento do valor da renda. Outros países, somente consideram benefício tributável o diferencial entre o valor da habitação no outro país e o custo que o colaborador suporta pela sua habitação no país de origem, uma vez que somente este diferencial configura como uma vantagem económica para o colaborador.
É certo que, como medida de incentivo à mobilidade, o Anteprojeto prevê a exclusão de tributação de compensações atribuídas pela mudança do local de trabalho, quando este passe a situar-se a uma distância superior a 100km do local de trabalho anterior, até 10% da remuneração anual e com o limite de € 4.200. Parece-nos, no entanto, que se poderia ter ido mais longe na criação de um quadro favorável à mobilidade internacional de trabalhadores e à internacionalização das empresas portuguesas, à semelhança dos exemplos referidos.
Em conclusão, apesar de o Anteprojeto apresentar um conjunto de medidas que, a nosso ver, contribuem favoravelmente para este desiderato, entendemos que, o mesmo, se poderia ter consubstanciado num esforço de maior alcance no sentido de criar um quadro global favorecedor da redução dos custos de mobilidade, no âmbito da internacionalização de empresas portuguesas, à semelhança das medidas que foram adotadas para a captação de investimento estrangeiro em Portugal e de quadros qualificados, através da introdução, em 2009, do regime dos residentes não habituais, que tornou o sistema fiscal português, a este nível, um dos mais competitivos.
Directora da divisão de IRS e Segurança Social na consultora PWC
Este texto foi escrito ao abrigo das regras do novo Acordo Ortográfico