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08 de Maio de 2017 às 13:28

Quem quer ser esquecido?

Vivemos num mundo em que muitos querem ser lembrados. Em vida ou após a morte, cada um pretende ver reconhecida a sua existência e a sua marca. No entanto, alguns também querem ser esquecidos.

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A célebre expressão de Andy Warhol, sobre os 15 minutos de fama a que todos teriam direito, pertence a um tempo em que ainda não se conheciam os registos informáticos como os conhecemos hoje e muito menos a internet. Atualmente, todos os momentos são efémeros e eternos ao mesmo tempo. A quantidade de informação faz com que uma notícia da semana anterior seja já muito antiga e poucos tenham uma memória muito clara da mesma, mas, ao mesmo tempo, essa notícia pode manter-se para sempre na rede e ser pesquisável. Com os desenvolvimentos informáticos tudo pode ser eterno.

 

Esta questão foi abordada pelo acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 13 de maio de 2014 (caso Google), por um cidadão espanhol não pretender que o seu nome aparecesse na pesquisa ligada a uma notícia de um jornal de 1998 relativamente a dívidas entretanto já pagas. A notícia continua a existir na internet, mas o tribunal reconheceu o direito ao cidadão de se opor a que a mesma apareça quando seja feita uma pesquisa pelo seu nome.

 

No caso da relação entre empresas e os seus clientes também existe uma memória e o cidadão pode não pretender que os seus dados sejam tratados de forma total ou parcial. Neste contexto surge o denominado direito ao esquecimento no Regulamento Geral de Proteção de Dados de 2016 (adiante, Regulamento), que entrará em vigor a 25 de maio de 2018. O direito já existe na atual lei vigente, mas em termos mais restritivos, nomeadamente, para os casos em que os dados são incompletos ou inexatos.

 

A configuração e operacionalização deste direito, em termos mais abrangentes, é um dos principais desafios para as empresas e para as entidades públicas.

 

Cada entidade terá de determinar quais os dados que podem ser esquecidos no caso de receberem um pedido nesse sentido. O direito ao esquecimento não é um direito absoluto, ou seja, está limitado positiva e negativamente. O Regulamento prevê, entre outros motivos, que esse direito pode ser exercido quando os dados deixam de ser necessários ou quando seja retirado o consentimento e não exista outro fundamento jurídico para o tratamento.

 

Também se referem os casos em que o tratamento dos dados prevalece sobre o direito do titular dos dados. Entre esses casos destaca-se o exercício da liberdade de expressão e de informação, como no caso Google apreciado pelo TJUE (em que o jornal em causa não foi obrigado a retirar a notícia que tinha publicado); o cumprimento de uma obrigação legal; o tratamento para fins de arquivo de interesse público, investigação ou fins estatísticos; e para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.

 

Nos vários setores de atividade existem obrigações de conservação de dados, porque a lei impõe que façam parte dos registos da entidade ou de bases de dados, para dar cumprimento a regras de prevenção do branqueamento de capitais, obrigações fiscais, proteção de terceiros ou prazos de prescrição quanto ao exercício de direitos. O desafio de fazer este cruzamento entre o que pode e não pode ser esquecido necessitará, em alguns casos, do apoio da Comissão Nacional de Proteção de Dados e das autoridades setoriais, no sentido de salvaguardar a aplicação das pesadas sanções previstas no Regulamento.

 

Um cliente poderá, por exemplo, pretender ser esquecido devido a ter ficado desagradado com a posição de uma determinada entidade, no sentido de evitar contactos futuros. As motivações, bem como as vantagens e as desvantagens de se ser esquecido, têm de ser ponderadas por cada um. No entanto, no atual mundo do "Big Data" e da "Internet of Things" (IoT), em que a tendência, no caso das empresas, é a de fomentar um maior direcionamento dos produtos às necessidades específicas de cada cliente ou premiar a fidelização, o exercício do direito ao esquecimento terá mais inconvenientes do que vantagens.

 

Advogado, doutorando e docente em Direito dos Seguros

francisco.luis.alves@gmail.com

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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