Opinião
Pagamentos em dinheiro vivo
Entrou na semana passada em vigor uma muito badalada alteração à Lei Geral Tributária (LGT) relativamente à proibição de pagamentos ou recebimentos em numerário superiores a 3 mil euros.
Até agora, existia uma norma que apenas proibia o pagamento em numerário de faturas de valor superior a mil euros.
Alarga-se o âmbito da proibição, abrangendo-se agora qualquer pagamento ou recebimento ainda que não seja efetuado no âmbito de uma operação comercial. Por outro lado, o limite eleva-se para 10 mil euros sempre que o pagamento seja realizado por pessoas singulares não residentes em território português e desde que não atuem na qualidade de empresários ou comerciantes.
Este será mais um instrumento de combate e cerco ao branqueamento de capitais e evasão fiscal, um problema muito sério e global que deve ser enfrentado e combatido.
O branqueamento de capitais basicamente é canalizar dinheiro "sujo" proveniente de atividades criminosas e ilícitas (corrupção, tráfico de drogas e armas, evasão fiscal) para atividades legais ou, pelo menos, como uma fachada de legalidade, tal como acontece, por exemplo, com a constituição de sociedade fictícia para servir de encobrimento a atividades ilegais.
O processo de branqueamento pode englobar três fases distintas e sucessivas:
• Colocação: os bens e os rendimentos são colocados nos circuitos financeiros e não financeiros;
• Circulação: os bens e os rendimentos são objeto de múltiplas e repetidas operações, com o propósito de os distanciar da sua origem criminosa, apagando (branqueando) os vestígios da sua proveniência e propriedade (por exemplo, a constituição de uma rede de múltiplas sociedades, muitas vezes sediadas em offshores, dificultando o conhecimento dos verdadeiros donos e beneficiários);
• Integração: os bens e os rendimentos, depois de reciclados, são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos (por exemplo, através da aquisição de imóveis, ou outros bens de luxo ou mesmo constituindo sociedades).
Existem já outros mecanismos legais em vigor para prevenir o branqueamento de capitais e a própria evasão fiscal como a obrigação de os bancos identificarem quem fizer transações acima de um determinado valor, assim como o mecanismo de comunicação ao Banco de Portugal por parte das empresas de transações bancárias internacionais.
No que respeita a esta nova norma, pode-se questionar o montante baixo, sabendo-se que o branqueamento de capitais e a evasão fiscal são atividades de milhões. No entanto, pode-se branquear montantes muito elevados, parcelando os montantes e pode ter sido essa a perceção do nosso legislador, pese embora a diretiva europeia estabelecer o limite nos 10 mil euros. O que se torna dificilmente entendível é a discriminação positiva em relação aos não residentes, sabendo-se que o branqueamento de capitais é global e não conhece fronteiras.
Consultor da Ordem dos Contabilistas Certificados
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico