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O acordo evitou a calamidade, mas o que vai suceder agora à economia dos Estados Unidos?

Embora tenha começado a aumentar o nervosismo devido ao adiamento das decisões governamentais relativas à despesa, é provável que o resultado venha a ser menos significativo para os mercados, dado que os cortes automáticos só serão aplicados de forma gradual.

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Foi uma véspera de Ano Novo dramática nos Estados Unidos, com os políticos a trabalharem pela noite dentro para chegar a uma solução que permitisse resolver o chamado "precipício fiscal": cerca de 600 mil milhões de dólares em aumentos de impostos e cortes na despesa, que deveriam entrar em vigor de forma automática a 1 de Janeiro. Embora o Congresso, em termos técnicos, não tenha respeitado o prazo estabelecido, que expirava à meia-noite, o certo é que o Senado e a Câmara dos Representantes aprovaram um projecto de lei bipartidário no dia de Ano Novo.

 

O acordo permitiu à economia dos Estados Unidos respirar de alívio ao entrar em 2013, embora haja ainda muitas questões por resolver a longo prazo. A bipolarização verificada em Washington dificultará as futuras negociações, e a turbulência dos mercados poderá aumentar nos próximos meses.


Congresso chegou a uma resolução em cima da hora
Se Washington não tivesse conseguido agir, e caso tivesse entrado em vigor a totalidade das mudanças previstas, é quase certo que a economia dos Estados Unidos teria entrado novamente em recessão, devido ao aumento da carga fiscal sobre as empresas e sobre os consumidores e à queda abrupta da despesa pública. Por isso mesmo, o acordo foi recebido com alívio pelos investidores.


O projecto de lei do dia de Ano Novo conteve o aumento de impostos que estava previsto e adiou até ao dia 1 de Março a maioria das decisões relativas à despesa, para dar aos políticos margem de manobra que lhes permita chegarem a um compromisso. Os pontos fundamentais do acordo foram os seguintes:
• Extensão das deduções fiscais, introduzidas na era Bush, para os sujeitos passivos individuais com rendimentos inferiores a 400 mil dólares e para as famílias com rendimentos inferiores a 450 mil dólares. Acima destes limites, ficou decidido que as deduções deixariam de ser aplicadas, o que implica um aumento da carga fiscal sobre os cidadãos mais abastados.
• Eliminação da redução de 2% da contribuição para a Segurança Social paga pelos trabalhadores em 2010 e 2011.
• Extensão, pelo prazo de um ano, da provisão governamental que permite complementar o subsídio de desemprego em situações de emergência. O governo introduziu esta prestação adicional em 2008, como complemento do subsídio de desemprego, o qual, na maior parte dos estados, é pago apenas durante duas semanas.


Redução do défice orçamental poderá pesar sobre o crescimento
As medidas que foram tomadas em Washington no dia de Ano Novo deverão ajudar a reduzir gradualmente o défice orçamental dos Estados Unidos, diminuindo o impacto sobre o crescimento económico. No entanto, dada a inesperada contracção do PIB no quarto trimestre, as restrições fiscais poderão interromper a retoma, sobretudo no primeiro semestre de 2013.


A economia, porém, mostra sinais de crescimento subjacente que não deixam de ser animadores. O tecido empresarial norte-americano encontra-se de boa saúde e tem possibilidade de começar a reinvestir nesta altura, terminada a incerteza inerente ao precipício fiscal. Além disso, entre os consumidores existe um significativo desejo de consumo por materializar, o que poderá não só ajudar a impulsionar a economia real como também criar as condições que permitam uma retoma cíclica auto-sustentada ainda este ano. Consequentemente, poderemos assistir a um novo surto de crescimento no segundo semestre de 2013. Com o aumento do crescimento e das receitas nos próximos anos, acompanhado da contenção da despesa, o défice deverá acabar por descer para um valor inferior a 4,0% do PIB, permitindo a redução do rácio da dívida face ao PIB e a estabilização das finanças públicas.


Materialização do desejo de consumo deverá impulsionar o crescimento
Nos últimos quatro anos, assistimos a uma recessão, ao aumento dos capitais próprios negativos, a altas taxas de desemprego e à alteração dos padrões de consumo das famílias. Durante esse período, as famílias adiaram as decisões de consumo de bens não essenciais. Na conjuntura actual, porém, devido à melhoria do mercado de trabalho e ao compromisso da Reserva Federal em manter as taxas de juro a níveis bastante baixos até a taxa de desemprego cair para 6,5%, a materialização do desejo de consumo constitui um importante factor de impulso da retoma. Por exemplo, no sector automóvel, estamos a assistir finalmente à substituição de uma população automobilista envelhecida e verificamos que os condutores jovens começam a comprar o primeiro carro, após quatro anos de muita hesitação.


No mercado imobiliário, assistimos a um aumento dos preços dos imóveis e da aquisição de primeira habitação, com a consequente diminuição do excesso de oferta. Prevê-se que as camadas mais jovens da população norte-americana, que têm optado pelo arrendamento de forma desproporcionada, comecem a comprar casa. Além disso, a população tem vindo a crescer nos últimos anos, mas a constituição de novos agregados familiares tem estado bastante abaixo da média.


Esta situação não constitui nenhuma novidade. Um desejo de consumo por materializar no seio das famílias sempre foi um poderoso estímulo para a retoma após longos períodos de fraca actividade económica. É frequente a materialização do desejo de consumo levar a um período de crescimento auto-sustentado, dado que os sectores que beneficiam do mesmo multiplicam as suas encomendas aos fornecedores, o que conduz à criação de postos de trabalho directos e indirectos e ao aumento do índice de confiança dos consumidores e das empresas.


Haverá mais progressos em Washington?
Ainda estão por concluir os debates sobre os cortes automáticos da despesa e sobre o limite de endividamento, pelo que os mercados poderão apresentar certa volatilidade nos próximos meses. O prazo para aplicação do limite de endividamento foi adiado até Maio, mas não seria nenhuma surpresa se assistíssemos a um renhido combate político, tal como o que sucedeu por ocasião do precipício fiscal, que estendesse os debates sobre cortes da despesa até ao último minuto. Esta luta da classe política em prol dos projectos da sua preferência (e da dos seus eleitores) poderá levar a restrições fiscais ainda mais graves do que as que foram acordadas no dia de Ano Novo, o que poderá inviabilizar a retoma, devido à aplicação de medidas de austeridade ao estilo europeu, apesar de ninguém querer ou precisar de tais medidas a curto prazo.


No entanto, embora tenha começado a aumentar o nervosismo devido ao adiamento das decisões governamentais relativas à despesa, é provável que o resultado venha a ser menos significativo para os mercados, dado que os cortes automáticos só serão aplicados de forma gradual. As medidas tomadas no dia de Ano Novo são um claro sinal de progresso, e o ritmo a que se prevê que o défice comece a descer deverá ser suficiente para levar as finanças públicas dos Estados Unidos a enveredar por um caminho mais sustentável, criando as condições que permitam uma retoma económica igualmente sustentável.

 



Senior Sales Executive do JPMorganAM

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