Opinião
O choque da pandemia - (V)
É natural que a generalidade dos bancos se retraia e “aperte” os critérios de concessão de crédito às empresas com prejuízo do esforço de relançamento da actividade económica.
É de facto inegável que o Governo tem vindo a fazer um uso crescente de medidas com reduzido impacto orçamental - de que são exemplo o recurso maciço a moratórias, bem como a garantias e a prorrogações de obrigações fiscais.
Trata-se de medidas que procuram "congelar" a economia durante a fase aguda da pandemia, à espera de um relançamento num prazo que permita evitar danos estruturais no tecido produtivo. A expectativa de que uma vacinação próxima encurte os períodos de confinamento e de que os fundos comunitários possam dar, em tempo útil, um impulso à recuperação económica, terá certamente pesado na adopção da orientação que tem vindo a ser dada às políticas fiscal e orçamental.
Trata-se de uma opção cheia de riscos, dados os múltiplos e complexos problemas que a situação actual está a colocar. Na verdade, as políticas públicas têm de enfrentar a crise sanitária e de responder ao impacto do confinamento - total ou parcial - sobre o tecido económico e social. Impacto que, por sua vez, se faz sentir a dois níveis distintos: por um lado, tem vindo a provocar uma queda abrupta dos rendimentos de um número crescente de indivíduos e de famílias, com fortes custos económicos e sociais; por outro, faz correr o risco de que se venham a verificar danos permanentes no tecido produtivo. Danos que, a ocorrerem, podem resultar na destruição de capacidade produtiva e de emprego e na contracção da economia, com consequências imprevisíveis.
Acresce que, para além de responder aos efeitos mais imediatos do choque pandémico, é crucial tirar partido dos prometidos apoios europeus para ultrapassar os bloqueamentos que têm travado o crescimento e a modernização da nossa economia. O que, como sabemos, passa pela concepção e pelo lançamento de programas dirigidos, quer ao relançamento da actividade económica no pós-pandemia quer sobretudo à recentragem do nosso modelo de crescimento económico.
2. À luz deste quadro, assume uma importância crítica a capacidade do sistema financeiro para intermediar com eficiência mínima o esforço de relançamento e de reorientação da nossa economia.
A este respeito, tive já a oportunidade de - em artigos anteriores - chamar a atenção para a necessidade de diversificar as fontes e os instrumentos de financiamento do nosso tecido produtivo. Em particular, referi como o nosso mercado bancário tem historicamente estado na origem de dois tipos de efeitos perversos: de ondas de crédito dirigidas a actividades indutoras de desequilíbrios, com prejuízo do financiamento do tecido produtivo - financiamento do imobiliário e endividamento das famílias são exemplos bem conhecidos; de uma oferta de financiamento às empresas suportada por instrumentos - sobretudo crédito de curto prazo - que têm contribuído para a reprodução de um tecido produtivo atomizado e pouco eficiente.
Acresce que os bancos vão ter de absorver os efeitos do choque pandémico sobre as suas carteiras de crédito. Tratando-se de uma situação comum a outros mercados bancários europeus, entre nós, os riscos são claramente mais elevados. Para o compreender basta ter presente que o peso assumido pelos créditos abrangidos pelas moratórias concedidas a famílias e empresas assumem um valor superior a 5% do PIB. Num contexto em que muitas empresas mantêm estruturas financeiras frágeis e muito vulneráveis a choques. Como resultado, é natural que a generalidade dos bancos se retraia e "aperte" os critérios de concessão de crédito às empresas com prejuízo do esforço de relançamento da actividade económica.
Compreendemos assim o interesse em dotar o nosso sistema financeiro de uma instituição capaz de operar como uma fonte de capital e de quase capital e de financiar o investimento e a inovação. Questão a que me proponho voltar.
Economista
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