Opinião
Money for the people: cheques-estímulo e rapidez na execução da “bazuca” financeira
A única pretensão que tenho é que o dinheiro a que vamos ter acesso seja bem utilizado, que chegue às pessoas e às empresas de modo célere e transparente, por forma a não perdermos esta oportunidade única de arrancar com tração para esta nova década, e para este novo mundo pós-covid.
A Europa e Portugal preparam-se para atirar com a “bazuca” financeira em cima da economia. Neste texto, não pretendo falar da dimensão do pacote em causa. Pretendo falar das formas como vai ser utilizado e da velocidade com que tem de ser utilizado.
Sobre a resposta da UE à pandemia, com as falhas que houve por todo o mundo, e que na Europa também existiram, devo dizer que a forma solidária como a Europa atacou o tema da vacinação, a liderança serena de Ursula von der Leyen, e a noção de compromisso para atingir soluções comuns, justas e equitativas, fizeram mais pelo sentimento pró-europeu no último ano do que duas décadas de burocratas e regras feitas para serem cumpridas apenas por alguns.
Mas o pacote de apoio à retoma económica que agora começará a chegar aos países tem de ser o mais rápido alguma vez executado e devia chegar, para além das empresas, diretamente ao bolso das pessoas.
1. Nos EUA, a administração Biden prepara-se para enviar em março para 150 milhões de americanos o terceiro cheque de estímulo, no valor de 1.400 USD. Trump já tinha enviado dois cheques-estímulo que totalizaram perto de 2.000 USD. A lógica é simples.
Não havia nada de errado com a economia na maior parte dos países. Ela parou por razões exógenas ao seu funcionamento em vários setores, nomeadamente em setores relacionados com o consumo, como o turismo, viagens, restauração, compra de bens e serviços que não de primeira necessidade, entre muitas outras áreas direta ou indiretamente relacionadas.
Comparemos este momento económico com um carro que ficou muito tempo parado. Tal como um carro que deixa de trabalhar durante algum tempo, o problema maior não reside no seu motor quando ele for para arrancar novamente. O problema está na sua “bateria”. Num carro normal, temos de usar um carregador para pôr o carro a arrancar, e devemos andar com ele para a bateria recarregar. Repito: não basta ligar de novo o carro, é preciso andar com ele para a bateria recarregar. Uso esta analogia simples para comparar com a reabertura que vamos ter.
A economia vai abrir. As empresas têm a sua capacidade robustecida por anos de crescimento e os recursos humanos estavam, e estão, lá – o motor está pronto. As lojas vão ter stock, pessoas com vontade de vender. Mas vai haver com grande certeza alguma retração no consumo inicial, tal como vimos no primeiro desconfinamento.
Se apoiarmos os indivíduos neste momento zero, como os EUA fizeram e estão a fazer, podemos estar a dar a “carga” que a economia precisa para entrar num ciclo de recuperação, em que o consumo interno vai ter um papel crítico. Depois de deixarmos a bateria “arrancar” com o desconfinamento, temos de permitir que a economia tenha pernas para andar, e carregar esta “bateria” de regresso normal aos padrões anteriores de consumo.
Se não o fizermos, podemos correr o risco de entrar numa espiral deflacionista, que é exatamente o que os EUA tentam evitar com os cheques de estímulo faseados entregues:
– Menos consumo, menos vendas, menos resultados; necessidade de reestruturar e reduzir pessoas e stocks. Com menos pessoas temos menos consumo, com menos stock temos empresas a sofrer e a reduzir as suas pessoas e os seus stocks. Podemos ligar o “economiquês”, mas a teoria económica no fim do dia é isto que mostra.
Vai haver quem diga que podemos gerar inflação com estes cheques-estímulo. Mas eu pergunto: qual inflação, quando os níveis de consumo estão em mínimos históricos?
Com isto pretendo defender um estímulo inicial por parte da Europa – ou pelo menos em Portugal – direto ao consumo, como forma de ajudar a economia a arrancar verdadeiramente, entregue de forma faseada nos períodos de reabertura de cada país.
2. Sobre a velocidade da execução dos fundos, a minha visão é muito clara. O objetivo dos fundos é pôr a economia a funcionar, aumentar o investimento, gerar emprego. Mas isto tem de ocorrer com rapidez!
Tenho visto, e bem, muita gente preocupada com o tema da boa execução dos fundos e com os problemas de corrupção que estes grandes montantes de meios podem gerar. Eu não sou menos preocupado do que qualquer outro cidadão sobre estes temas. Mas estes fundos em particular ou chegam rapidamente à economia, ou perdem a sua razão de existir.
Defendo por isso que devemos desburocratizar o acesso aos fundos e criar mecanismos de análise e combate à má utilização dos fundos claros, e também eles transparentes.
Desburocratizar para democratizar o acesso a fundos. Hoje em dia concorrer a fundos europeus tem um nível de complexidade ao nível da astrofísica (metaforicamente falando). A economia precisa destes meios, mas precisa já. Precisa hoje! Formas simplificadas de concurso, validação de procedimentos através de ferramentas de inteligência artificial básicas, e aprovação dos projetos válidos com critérios claros, e de forma transparente. Nada de extraordinário no séc. XXI, mas que tem de ser implementado.
A preocupação com a boa utilização dos fundos pode ser mitigada exatamente com a proposta dos cheques-estímulo: dando parte do “poder de fogo” aos indivíduos, pela via do consumo.
Este texto pretende ser um convite ao debate. Não pretende ser disruptivo, nem politicamente à esquerda, ao centro ou à direita. Não é uma ideia nova ou radical: está a ser implementada em vários países, com maior visibilidade nos EUA.
A única pretensão que tenho é que o dinheiro a que vamos ter acesso seja bem utilizado, que chegue às pessoas – e repito, que acho que deve chegar diretamente às pessoas – e às empresas de modo célere e transparente, por forma a não perdermos esta oportunidade única de arrancar com tração para esta nova década, e para este novo mundo pós-covid.
P.S.: o plano apresentado pelo Governo mostra um enorme pendor para a utilização destes meios no próprio Estado. Se acredito que esta pandemia veio mostrar a necessidade de reforçar o Estado em várias áreas, também veio mostrar que a agilidade do setor privado é crítica para colmatar a falta de flexibilidade que o Estado tem. Usar estes meios e este plano apenas para reforçar o papel do Estado na economia é retirar ao setor privado a capacidade de fazer essa mesma economia crescer de uma forma que o Estado nunca conseguiu.