Opinião
Mercadona: três anos, e muitos rios de tinta depois, a abertura das primeiras lojas
Do nosso lado fica a promessa de um olhar atento e crítico a todas as movimentações que gerem deslealdade nas relações comerciais e a expectativa de que operadores e autoridades assegurem que esta concorrência acrescida não se converta num fator adicional de pressão inaceitável sobre os fornecedores.
Jornal de Negócios de 24 de junho de 2016 titulava "Mercadona investe 25 milhões para entrar em Portugal". E acrescentava que o grupo espanhol "decidiu, com base no estabelecido pelo conselho de administração, avançar com o seu plano de internacionalização, através da entrada no mercado português".
Foram precisos três anos - e muitos rios de tinta - para assistirmos à abertura das suas primeiras lojas, que ocorrerão ao longo do mês de julho, sucessivamente em Gaia, Matosinhos, Maia e Gondomar. Mas, de facto, ao longo deste período muito se falou da Mercadona e do impacto que a sua entrada no nosso mercado teria. E só agora, finalmente, vamos passar das conjeturas à realidade.
"Chapeau" para a estratégia de comunicação e de relações públicas desenvolvida ao longo destes três anos. Foi criada uma verdadeira central de informação que, gota a gota, foi libertando notícias e colocando a Mercadona na cabeça e na boca dos portugueses, sejam os mais diretamente envolvidos neste mercado, sejam o cidadão comum e o consumidor que, a dada altura, já se perguntavam onde é que, afinal, existiam as lojas da tal cadeia de supermercados de que toda a gente falava.
Desde o primeiro momento que o projeto da Mercadona em Portugal sofreu vários realinhamentos, sempre no sentido da ampliação da sua dimensão e das quatro lojas iniciais, que pouco depois se convertiam em dez. Chegamos, de acordo com as informações mais recentes, a um parque previsto, a três anos de distância, de 120 lojas e a um investimento realizado na ordem dos 160 milhões de euros.
Ainda assim, muito se comenta sobre a forma como esse crescimento (ou, eventualmente, um ainda mais amplo) se processará: apenas via crescimento orgânico, como os responsáveis da Mercadona sempre referem, ou através de aquisições pontuais ou alargadas de espaços comerciais de outros operadores da moderna distribuição?
Quem conhece as lojas espanholas do grupo tem uma perceção do peso que as marcas próprias ocupam nas vendas da Mercadona e no reduzido espaço de prateleira (cerca de 30%) que é deixado para as marcas de fabricante. Será que em Portugal também será assim? Será que os responsáveis da cadeia valenciana confiam na rápida aquisição de notoriedade das suas próprias marcas ou apoiar-se-ão sobretudo nas marcas nacionais e internacionais mais reconhecidas pelo consumidor português, conquistando mais facilmente a sua confiança?
Do lado de lá da fronteira, o grupo espanhol tem como trave mestra da sua estratégia uma política de preços que adota o modelo normalmente designado por "every day low price" e não utiliza as promoções como ferramenta comercial e de comunicação. Mas o mercado português, ao contrário do espanhol, está de há muito viciado em promoções. E os principais operadores do mercado colocam o fenómeno promocional no centro das suas estratégias. Fica, por isso, a dúvida sobre o que prevalecerá: a fidelidade ao modelo ou a adoção da velha máxima de "em Portugal, sê português"?
Estas são apenas algumas das perguntas que qualquer observador, minimamente atento à realidade e dinâmicas do nosso mercado, colocará. E, na realidade, todo o mercado - seja do lado dos retalhistas, seja do lado dos operadores do retalho - mostra, de há muito, sinais de elevada ansiedade.
E do lado do retalho, não obstante as repetidas afirmações de que a concorrência é saudável e que não temem a entrada de novos operadores, há também a constatação de que o nosso mercado está maduro, a sofrer as agruras de uma baixa dinâmica demográfica e, não obstante o "arejamento" que provém da atividade turística, a dar sucessivos sinais de estagnação. Pelo que, não têm grandes dúvidas, o mesmo bolo será repartido em mais fatias e que todos são potenciais perdedores para o novo entrante.
No dia 2 de Julho, quando as portas da loja de Canidelo (em Gaia) se abrirem, algumas destas dúvidas começarão a desfazer-se, mas terão que passar-se alguns meses até que se possa fazer um balanço mais sólido do impacto da entrada da Mercadona no mercado português.
Do nosso lado, o lado dos principais fornecedores da moderna distribuição, fica a promessa de um olhar atento e crítico a todas as movimentações que gerem deslealdade nas relações comerciais e a expectativa de que operadores e autoridades assegurem que esta concorrência acrescida não se converta num fator adicional de pressão inaceitável sobre os fornecedores.
Presidente da Centromarca - Associação Portuguesa de Empresas de Produto de Marca