Opinião
Entre o riso, a mágoa e o desespero
A guerrilha institucional que Passos Coelho e os seus conduzem contra o Constitucional é um dos desacreditantes episódios da telenovela que tem servido de jocosos comentários na Imprensa internacional, excepção feita ao "Financial Times", o breviário dos catequistas do neoliberalismo.
O engraçadíssimo ministro Poiares Maduro, pequenino e ladino, veio esclarecer a nossa malvada curiosidade, de que não estava de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional em não "aclarar" a anterior deliberação tomada sobre inconstitucionalidades do Orçamento do Estado. O Governo tem sempre Poiares Maduro de reserva para ocasiões como esta, e ele, coitado!, presta-se ao triste papel de protagonista de uma cegada que parece infindável e nos causa mal-estar, porque muitos de nós, além de sentir compaixão pelo que se diz ministro, ainda temos um pingo de vergonha.
A guerrilha institucional que Passos Coelho e os seus conduzem contra o Constitucional é um dos desacreditantes episódios da telenovela que tem servido de jocosos comentários na Imprensa internacional, excepção feita ao "Financial Times", o breviário dos catequistas do neoliberalismo.
Tudo isto e o descrédito daí advindo resulta na subserviência de um Governo, que já teria sido escorraçado, com razões de causa, não se dera o escabroso caso de o Dr. Cavaco ser um caloroso defensor desta miséria.
Há dias, uma delegação do PCP, com Jerónimo de Sousa a chefiá-la, foi recebida em Belém, a fim de manifestar ao Presidente a preocupação que causava àquele partido o estado da pátria. O PCP não se cansa de exigir a demissão do Governo, por crimes de lesa-povo, e da realização de novas eleições, porque entende já não existir a base social que apoiava a coligação. De antemão era conhecido o resultado desta diligência. O Dr. Cavaco, impávido e sereno, disse que não, e que, no seu douto entender, o Executivo estava "no rumo certo."
Como ninguém toma a sério os despautérios do pequeno e engraçado ministro Poiares Maduro, a indiferença, filha do desprezo que os portugueses nutrem pelo Dr. Cavaco, deixou de ser revoltante para se transformar em matéria de sordidez. Não se trata, somente, de uma questão política ou de um antagonismo ideológico. O comportamento do Dr. Cavaco conduz à convicção de que nunca houve um Presidente da República tão incapaz como este, incluindo no número o Almirante Tomás. Apenas um reparo: Tomás fazia-o por néscia simplicidade e tola inocência; este, fá-lo por tudo isso e por soberba, por arrogância, por desacerto. Se Poiares Maduro dá imensa vontade de rir, o Dr. Cavaco faz-nos chorar de raiva e de desdém.
Portugal vai existindo neste desaforo sem antecedentes. Desolamo-nos na aceitação da tragédia que se tornou banal, e não só estamos mais pobres e mais macambúzios, como nos vamos esvaziando de povo, de alma e de brio. Todos os dias, 341 portugueses abandonam o País, e o Dr. Cavaco afirma que estamos no rumo certo. O fundo de resgate do euro continuará a vigiar Portugal até 2045, e o Dr. Cavaco diz que estamos no rumo certo. Centenas de miúdos, em todo o País, vão para o ensino básico, em jejum, e o Dr. Cavaco diz que estamos no rumo certo. A lista destas enormidades é quase infinita, e a pátria mingua, envelhece e morre, sem esperança, consolo ou alento. Nada vai acontecer a estes ministros que mentem, omitem e ludibriam sem pejo nem decência? E ao Dr. Cavaco, cúmplice destas infelicidades?
Um livro para nos fazer pensar
José Correia Tavares, grande poeta do sarcasmo e do desacato, acaba de publicar um novo livro de poemas, poemetos, quadras e endechas, voltando a recuperar (como tem feito em outros livros), uma das grandes tradições da poética portuguesa. "Sem Prazo de Validade", com um lúcido prefácio de Liberto Cruz, outro dos maiores da nossa cultura, reconduz-nos a uma espécie de refrigério moral, neste tempo de servidão e de infortúnio. Um grande livro feliz, como diria Manuel da Fonseca, porque nos anima e consola com a força poderosa do escárnio e da ternura. E um prefácio que honra quem o escreveu e nobilita o poeta e quem o lê. Bem hajam!