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"Défice excessivo e a alegoria da caverna"

Ao encerrar-se o Procedimento por Défice Excessivo (PDE), Portugal sai do que é conhecido como o "braço corretivo" do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

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O que são ótimas notícias para o nosso país! Mas algum cuidado é necessário na análise e reação a esta novidade.

 

Platão, com a sua alegoria da caverna, numa célebre passagem do livro "A República", alertava para o perigo da realidade distorcida. O mito fala sobre prisioneiros, desde o nascimento, que vivem acorrentados numa caverna e que passam todo o tempo a olhar para a parede do fundo que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira. Nesta parede são projetadas sombras representativas de cenas quotidianas que os prisioneiros encaram como realidade. Imaginemos, diz-nos Platão, que um dos prisioneiros se liberta. E que, fora da caverna, em pleno mundo real, se apercebe de que, afinal, passara a vida observando sombras. De regresso à caverna, transmite aos prisioneiros o que vira, acabando, todavia, por ser ridicularizado. É chamado de louco por aqueles que só conseguem acreditar na realidade que se lhes depara na parede iluminada da caverna. O "mundo das sombras" de Platão, nesta alegoria, com uma série de implicações filosóficas profundas, mostra-nos, sobretudo, o "mundo da ignorância" e da falsa perceção da realidade.

 

Desde as primeiras notícias sobre este voto de confiança, muitos avocaram o feito: o anterior governo, o atual, ambos e/ou os sacrifícios dos portugueses. Na verdade, sendo esta uma boa notícia para Portugal, já que passamos a ser perspetivados como país cumpridor das regras orçamentais no espaço europeu, a decisão não significa necessariamente um alívio (ou uma "folga" como já reivindicam alguns) para Portugal. Longe disso. Do PDE passamos do braço corretivo ao braço preventivo do PEC, ficando, do mesmo modo, obrigados a apresentar ajustamentos estruturais todos os anos e a baixar a dívida pública a um ritmo mais acelerado.

 

Sendo as imagens projetadas na caverna sombras da redução do défice orçamental, do crescimento de 2,8% registado no primeiro trimestre, do aumento das exportações e do turismo (fruto, sem dúvida, dos talentos de muitos, mas, sobretudo, de fatores conjunturais extremamente favoráveis), qual a realidade além das suas paredes? Portugal tem ainda de reduzir o seu défice estrutural de um valor em torno de -2% do PIB para um superavit de 0,25%, nos próximos 3-4 anos. Isso implica medidas de aumento de impostos e redução da despesa em torno dos 4 mil M€. Por outro lado, há que reduzir a dívida pública e não deixar a despesa corrente primária crescer acima do crescimento nominal da economia (3-4%/ano). E não olvidemos o endividamento (público e privado), o peso do setor financeiro e o desemprego que apresenta, ainda, valores penalizantes.

 

Assim, valerá a pena tentar distinguir as sombras da realidade e pensar nas reformas estruturais e estruturantes necessárias a um crescimento da economia estável e sustentável.

 

Directora da Faculdade de Economia da Lusíada Porto

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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