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21 de Setembro de 2015 às 19:51

Contradições do "capitalismo chinês" – (LVI)

A economia chinesa está a debater-se com uma desaceleração da actividade económica e com uma queda abrupta dos seus mercados de capitais. Situação que está a provocar uma instabilidade interna crescente e a ameaçar a economia global.

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Além das enormes reservas internacionais que acumulou – cerca de 4 triliões de dólares no final de 2014 – a China é hoje responsável por cerca de 16% da produção mundial. Em particular a queda de cerca de 14% das importações, no primeiro semestre, está a fazer-se sentir nos mercados de energia e de matérias-primas, com um forte efeito depressivo sobre as economias emergentes – desde a América do Sul ao Médio Oriente e à Rússia, passando por África. Mas, além disso, o peso das reservas acumuladas, a par da dimensão da sua economia, faz hoje da China um dos principais "players" nos mercados internacionais. Não é por isso de admirar que estes reajam com nervosismo à instabilidade que tem vindo a instalar-se nos mercados financeiros chineses. As hesitantes e por vezes contraditórias acções das autoridades – medidas administrativas e intervenções financeiras maciças que procuravam estabilizar os mercados, enquanto induziam uma mal explicada desvalorização do renmimbi – apenas contribuíram para acentuar os receios dos investidores.

 

Pela primeira vez em décadas, a balança externa inverteu-se e, até Junho, saíram da China capitais no montante de 500 biliões de dólares, enquanto as reservas se reduziam 300 biliões.

 

Esta evolução está a colocar dúvidas crescentes. Trata-se do reflexo sobre o mercado financeiro do esgotamento do modelo que, desde Deng Xiaoping, tem suportado o crescimento da economia? Resulta das pressões da crise financeira internacional sobre um mercado financeiro sobreaquecido e instável ou de ambos os tipos de pressões? Mas, além disso, o que pode explicar o nervosismo das autoridades chinesas, contrariando a imagem de competência na condução da economia a que habituaram os mercados?

 
Permaneço convencido de que pelo menos uma parte da resposta se encontra na forma como os mercados financeiros se têm vindo a desenvolver na China e que resulta das opções com que os dirigentes chineses têm procurado responder à crescente complexidade da situação económica e social. As reformas de Deng Xiaoping tinham uma dupla preocupação – atrair capital e tecnologia, mantendo um controlo político apertado, de modo a preservar a supremacia do partido. Como referi no último artigo, a solução passou pela criação de zonas abertas ao investimento externo e dotadas de quadros regulatórios liberais – as Zonas Económicas Especiais. O sucesso extraordinário desta solução deixou a China com uma economia dual. De um lado, vastos sectores controlados pelo Estado, ineficientes e de muito baixa produtividade. Do outro, sectores impulsionados por entradas de capitais e tecnologia e dirigidos para a exportação. Os capitais externos e a crescente capacidade interna de poupança, tanto por parte das novas empresas, como de muitas famílias – num quadro de controlo monetário e cambial apertado – fizeram intensificar as pressões sobre o incipiente sistema financeiro interno. A resposta passou por manter um controlo estrito sobre os bancos e os mercados bancários e canalizar os fluxos financeiros crescentes – de origem interna e externa – para os mercados de capitais que foram liberalizados. Este movimento que, de acordo com a tradição chinesa, começou por ser gradual, foi acelerado de forma quase dramática pela resposta à crise de 2007. O receio de que esta induzisse uma travagem brusca da economia – acentuando os efeitos já visíveis do esgotamento do modelo de crescimento – levou as autoridades a lançar, a partir de 2008, um programa de apoio maciço à economia que passou pela injecção de centenas de biliões de dólares. Em 2013, de forma surpreendente, dada a ambiguidade ideológica que, desde Deng Xiaoping, tem caracterizado as declarações dos dirigentes chineses, estes anunciaram que cabia aos mercados a função central de alocação dos recursos. Os resultados revestiram-se de enorme complexidade. A economia continuou a crescer acima dos 7% e formaram-se grupos e conglomerados de dimensão internacional, mas o preço foi elevado. O endividamento interno cresceu em exponencial, verificou-se a exposição aos mercados de capitais de um número crescente de famílias, desenvolvendo-se um enorme sector financeiro não regulado – "shadow banking" – enquanto se formava uma "bolha" descontrolada no mercado imobiliário. Com implicações a abordar noutro dia. 

 

 

Economista

 

 

 

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