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27 de Dezembro de 2012 às 23:30

Ano Novo, Bolsa Nova

A motivação apresentada para o lançamento da nova bolsa é a alegada necessidade de "revitalizar o financiamento no mercado das PME", tida como crucial para repor a Europa no caminho do crescimento e da criação de emprego

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"Ad usum mercatorum cujusque gentis ac linguae"


A frase em latim que abre o texto, e que significa "para uso dos mercadores de todos os países e de todas as línguas" foi a selecção da Bolsa de Antuérpia, criada em 1518, para assinatura da casa. A Bolsa de Lisboa seria fundada, sob os auspícios do Marquês de Pombal e com a setecentista designação "Assembleia dos Homens de Negócios", 238 anos depois, e não consta que no seu edifício, o torreão do lado nascente da Praça do Comércio, tenha estado inscrita menção semelhante. A Bolsa de Lisboa ficaria 225 anos no edifício onde foi fundada, para partir em 1994, já privatizada mas ainda uma associação mutualista, para um moderno edifício espelhado. Oito anos depois a holandesa Euronext NV adquiriu 100% das acções da então designada, e já desmutualizada, "Bolsa de Valores de Lisboa e Porto". Dez anos depois, a NYSE Euronext, Inc., que em 2007 sucedeu à Euronext NV por força da fusão desta com o NYSE Group, Inc., dono da vetusta Bolsa de Nova Iorque (fundada em 1792, 23 anos depois da Bolsa de Lisboa), anunciou o lançamento de uma nova bolsa para pequenas e médias capitalizações, que adoptará a curiosa designação "Entrepreneurial Exchange". Como a quinhentista Bolsa de Antuérpia, a Entrepreneurial Exchange pretende ser para uso dos "mercadores" de todos os países europeus e terá, para já, nome em quatro línguas, as das localizações europeias da Euronext – por ordem alfabética, para não ferir susceptibilidades, francês, holandês, inglês e português. É apresentada como um apuramento do Alternext, o mercado da Euronext para empresas de crescimento rápido, cujo leque de empresas cotadas absorverá, em conjunto com as empresas cotadas nos segmentos B e C dos mercados Euronext, ou seja, todas as capitalizações abaixo de mil milhões de euros.

A motivação apresentada para o lançamento da nova bolsa é a alegada necessidade de "revitalizar o financiamento no mercado das PME", tida como crucial para repor a Europa no caminho do crescimento e da criação de emprego.

A ideia é original, pois não há registo de bolsas para PME, muito embora haja experiência bem-sucedida de bolsas para empresas (ainda) pequenas e em crescimento rápido. A iniciativa americana a que a Entrepreunerial Exchange reclama responder, o JOBS Act, não passa pela criação de qualquer nova bolsa.

Não sendo original, será a ideia boa? O caso das empresas de crescimento rápido, e das bolsas que agregam este tipo de empresas, é um bom referencial. De facto, o financiamento da empresa em rápido crescimento é um problema específico, que recomenda uma solução específica, incluindo uma bolsa dedicada. O crescimento rápido talvez seja uma benção para o accionista, mas é certamente um problema para o CFO, na medida em que impõe a angariação de quantias vultuosas, habitualmente por conta de empresas arriscadas (ou vistas como tal) e jovens. A sociedade em crescimento, mais que consumir, devora fundos: ainda que os resultados tendam a crescer com as vendas, o fluxo de caixa livre é normalmente negativo por força das necessidades de investimento para suportar volumes de negócio em expansão rápida. Muito provavelmente, o mercado terá dificuldade em estabelecer o valor destas empresas, que depende essencialmente da avaliação de oportunidades de crescimento, intangíveis por definição. As assimetrias de informação serão particularmente agudas, levando a um desconto porventura desproporcionado nos preços a que os investidores estarão dispostos a subscrever acções. O Neuer Markt, segmento da Bolsa de Frankfurt activo entre 1997 e 2002, introduziu um modelo especificamente pensado para este tipo de empresas, fugindo à mera clonagem da bolsa tradicional: a combinação de um livro central de ordens com intermediários que geram liquidez. Cada empresa listada no Neuer Markt tinha de contratar pelo menos dois "sponsors" ("betreuers"), com funções de promoção e criação de mercado. O valor acrescentado deste sistema é a efectiva provisão de liquidez, mesmo para empresas de pequena dimensão e apetite voraz por fundos, permitindo assim o aumento da capacidade destas de obterem fundos no mercado. O Neuer Markt não sobreviveu ao rebentamento da "tech bubble", mas a sua herança sobrevive no Alternext, lançado em 2005 ainda pela Euronext.

Com a Entrepreneurial Exchange o modelo Alternext é alargado, com pequenas adaptações, a todas as empresas com capitalização inferior a mil milhões de euros, quer o seu ritmo de crescimento seja elevado, quer o não seja. Sem crescimento elevado, não há um problema distinto de financiamento, logo dispensa-se uma solução distinta. A bolsa nova que o ano novo trará é, salvo melhor opinião, uma aposta falhada.

Professor Associado, ISCTE-IUL

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