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02 de Outubro de 2013 às 00:01

Angola, China e… Portugal

Na mesma altura em que foi anunciada a visita de elementos da Three Gorges, ficou-se a saber que um compromisso relativamente ao investimento numa instalação industrial destinada à produção de eólicas não foi cumprido. Por ter deixado de ser conveniente, dado o excesso de oferta na Europa…

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A vinda de uma missão da "Three Gorges" para eventual participação com a EDP no programa de construção de novas barragens em Portugal fez-me recordar a missão organizada pelo Hudson Institute de umas dezenas de empresários, cientistas e técnicos norte-americanos a Angola, há cerca de 40 anos, a convite e custeados pela CUF. 


Folheei novamente o resumo do relatório final – "Angola Intensive Survey", assim se chamava – procurando a referência aos projectos da megabarragem proposta para o Zaire e o do desenvolvimento industrial e portuário da área. Descrito no relatório como "The world´s most exiting dam and industrial port development project" e objecto, na sequência, de estudos detalhados confiados à Coyne & Bellier de Paris, hoje Tractebel Engineering. O que será feito deles?

Tratava-se do aproveitamento do potencial hidroeléctrico do rio, mas não só. Este rio é único. Entre as suas margens corre 10% da água dos rios de todo o mundo, só superado, em caudal, pelo Amazonas com 20%. O caudal é surpreendentemente regular, em média 40 000m3/seg., devido à variedade de condições climáticas proporcionadas pela sua extensão e percurso, partindo da Zâmbia e atravessando por duas vezes o equador. O volume do caudal, a velocidade e a força da corrente originaram um "canyon" submarino, a partir ainda do rio, já perto da sua foz, que se estende por 800 km a uma profundidade de 1 800m, em seu início cavando na plataforma continental, aliás estreita.

As condições do rio dariam para construir a barragem (25 a 40 m de altura, 2 a 10 Km de comprimento – sugestão do relatório) não muito longe do mar, com investimento relativamente baixo, possibilitando a electricidade mais barata do mundo. A abundância desta energia perto da foz do Zaire viabilizaria o aproveitamento industrial das bauxites, minérios de cobre e outros minérios, também sensíveis ao preço da energia. E um porto de águas profundas, na região da foz do Zaire, uma região destacadamente rica, com recursos naturais abundantes, marcaria a constituição de um pólo gigante de desenvolvimento com enorme valor para as economias dos dois países que têm o rio como fronteira.

Uma oportunidade para a EDP

Admitindo que o projecto é concretizável e que Angola apreciaria a colaboração de parceiros qualificados tecnologicamente e com experiência em algumas das vertentes de um projecto desta natureza, designadamente a barragem com a dimensão apontada, penso que o par EDP/Three Gorges, poderia ter aqui uma oportunidade. Depois, a empresa "Chalco" (Chinese Aluminium Corp.), chinesa, poderia ser parceiro para a produção do alumínio.

Mas,

se além da colaboração nestes aspectos, Angola quisesse aprofundá-la na industrialização dos recursos minerais aludidos (não só ao bauxite), a melhor opção seria talvez a Rusal, na Rússia, a maior empresa produtora de alumínio do mundo. Não lhe falta experiência em barragens gigantescas. A Rusal, já com operações na Nigéria e na Guiné, faz parte de um importante grupo muito diversificado na indústria (emprega 250 000 pessoas) controlado através de uma holding denominada Basic Element por um multimilionário russo, Oleg Deripaska, com ligações segundo parece ao presidente Putin. Produz electricidade (17 mil milhões de Kwh/ano) em três barragens no rio Angara, tributário do lago Baikal, na Sibéria. A última foi concluída há pouco. Vêem-se facilmente no Google. A electricidade sobrante da produção de alumínio é vendida à China, ávida por energia. E vai continuar o investimento na produção de energia para aquele cliente que espera receber da Rússia, após 2020, 60 mil milhões de Kwh/ano.

Claro que uma decisão sobre este tipo de alternativas, a pôr-se o problema, tem condicionantes políticas que afectam todos os hipotéticos intervenientes. A começar pelos dois países africanos cuja fronteira é o Zaire. Mas não só. Por exemplo, uma posição à beira do Atlântico pode parecer sedutora para a Rússia cujo presidente é um estadista com um apurado sentido geoestratégico. Ou a China desejar ocupar ainda mais espaço e ter acesso aos Congos. Ou ambos não se interessarem por um empreendimento de que resultará concorrência para a sua indústria do alumínio. Ou pelo contrário pretenderem ambos controlá-la. E como optará Angola, se tiver de o fazer, entre os seus dois amigos e apoiantes dos tempos difíceis?

Outra oportunidade, esta para nós

Na mesma altura em que foi anunciada a visita de elementos da Three Gorges, ficou-se a saber que um compromisso relativamente ao investimento numa instalação industrial destinada à produção de eólicas não foi cumprido. Por ter deixado de ser conveniente, dado o excesso de oferta na Europa…

Tenho a recordação de contactos com chineses, aí por 1993 ou 1994, a propósito de uma pequena empresa do universo do IPE (sector das madeiras?) com capital chinês e do rigor escrupuloso e preocupado que eles punham na sua actuação. A passagem do tempo, a prosperidade recente e uma maior vivência no mundo dos negócios devem tê-los levado a trocar essa qualidade por um à-vontade bem desembaraçado que tivemos agora de testemunhar.

O que descobre uma janela de oportunidade para nós. Parece-me apropriado que o governo português, para quem o valor das rendas de que beneficiam os accionistas da EDP também é inconveniente, aproveite para, sem melindres, iniciar o processo de correcção de uma situação antiga que tem merecido reparos generalizados.


Economista, ex-presidente do IPE

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