A ex-deputada Ana Drago anunciou, no passado sábado, a demissão da Comissão Política do Bloco de Esquerda por "divergência profunda e fundamental" com a direcção do partido relativamente à estratégia que está a ser seguida. Ou seja, o Livre, de Rui Tavares, já começou a unir a esquerda, cada um para seu lado.

O Bloco de Esquerda é um filme de terror: começam sempre por eliminar as mais jeitosas. João Semedo veio dizer que a saída de Ana Drago da direcção do Bloco foi "acidente de percurso". Na realidade, foi um acidente de não alteração de percurso. A clássica discussão: - Vai por ali que é melhor. - Prefiro ir por aqui como de costume. - Mas pela 25 de Abril era mais rápido! - Pela quê?! Eu é que decido! -, que normalmente acaba mal, algumas vezes com uma senhora a pedir boleia na auto-estrada. O Bloco de Esquerda põe-se fora de tudo e, agora, está tudo a pôr-se fora do Bloco.

Tentar unir a esquerda, em Portugal, é como tentar meter na mesma jaula herbívoros, carnívoros, omnívoros e o PS. A nossa esquerda tem mundos diferentes. Extremos que não se tocam. Não faz sentido convidar a Maçonaria para actuar na Festa do Avante. Em Portugal, a esquerda não se une porque está ocupada em unir a direita.

O menu de escolhas de esquerda, ao dispor, é bastante limitado. Tem pouco mais de dois pratos, e temos de optar entre maionese de couve e dobrada com arroz de chispalhada. O PS, em tempos idos, era uma espécie de casa de pasto da esquerda; no bom sentido. Hoje é bastante discutível incluir o PS no grupo dos partidos de esquerda. O PS, desde Guterres, não é um partido de esquerda. O PS, na melhor das hipóteses, é um partido de canhotos de direita. O actual PS de Seguro talvez seja uma excepção porque é muito difícil determinar o que é. Só fazendo a autópsia é que podemos saber.

O PCP, vulgo CDU em tempo de eleições - é o que sempre foi. Se Álvaro Cunhal chegasse agora da União Soviética, só estranhava "aquela coisa para separar o lixo." A minha posição sobre o PC mudou muito ao longo do tempo, porque já passaram 40 anos, e porque é uma posição em relação a um ponto fixo. Quando eu era pequeno, diziam que os comunistas comiam criancinhas e os bispos eram pessoas de fé. Hoje, vejo que era ao contrário.

Quanto ao Bloco Esquerda, já quase ninguém lhe chama Bloco. Não querem ter essa intimidade. É mau sinal. O Bloco faz lembrar um concorrente do "Factor x" ou dos "Ídolos". Muita esperança e publicidade à jovem estrela, um primeiro disco prometedor, perde o agente e acaba a cantar karaoke num bar em Corroios. O BE é como a minha tia, de ano para ano está cada vez mais pequenina e continua a dizer as mesmas coisas. Mas, como está mais pequena, os protestos já soam a infantil. A percentagem que o BE se arrisca a ter nas eleições europeias não é uma votação, é um grau de acidez. O BE é um partido demasiado novo para ter tantos ex.

TOP 5
Acidentes de percurso da semana

 1  Ericsson é a melhor empresa para trabalhar em Portugal - para trabalhar. Para não fazer nenhum é a Presidência da República.

 2  O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, diz que pais do mesmo sexo é contrário à Criação - se aceitamos este tipo de justificação, estamos tramados. Porque ou "está no acordo da troika", ou está "no Antigo Testamento", e não temos hipótese de mandar vir com nada.

 3  Cavaco Silva envia proposta para o TC e adia decisão sobre referendo - Os juízes do TC deviam ficar com metade da pensão do Presidente da República.

 4  Edward Snowden foi indicado hoje por dois deputados noruegueses para o Prémio Nobel da Paz - soube-se esta semana graças a escutas da NSA.

 5  Sobre a situação na Ucrânia, Merkel diz que "Manifestantes pró-europeus devem ser ouvidos" - por um especialista em doenças do foro neurológico.