Opinião
A cegada em que vivemos e uma telenovela que nos retratou
Quem mais falta emigrar? Os velhos? Esses não servem para coisa alguma. Sugere-se que façam como os celtas: atirem os velhos dos penhascos, por inúteis.
País emigra em peso e os senhores e senhoras do Governo dizem, nas televisões, que "estamos no rumo correcto", sem pudor nem rubor. Passos Coelho não larga as televisões, parece o Brezhnev no culto da personalidade, sem perceber, e ninguém lho diz, que a constante presença é contraproducente. No meio desta torpe cegada, o mimoso Pedro Mota Soares vai proferindo ladainhas abstrusas, encaminhando-se, aos domingos, para os seus ofícios de piedade, rezando, genuflectindo, comungando. Tudo isto mete nojo, pela farçolada que representa, sem brio nem grandeza. Atiram-nos à cara com números e cifras notoriamente manipulados, enquanto a desgraça portuguesa não pára de crescer. Agora, para a emigração, vão uns milhares de… bombeiros. Surge o dr. Pires de Lima, e junta-se ao coro: estamos no rumo certo. Quem mais falta emigrar? Os velhos? Esses não servem para coisa alguma. Sugere-se que façam como os celtas: atirem os velhos dos penhascos, por inúteis. Emerge, com aquela voz inacabada, o comovente Poiares Maduro, e começamos a chorar de emoção, resignados e murchos: o homem não sabe do que fala. A lista de ineptos é inesgotável. O dr. Cavaco condecora, com frases soluçantes, o dr. Durão Barroso, servindo-se de idêntica adjectivação com que proporcionou reformas aos pides: "por serviços distintos prestados à pátria"; negando pensão de sangue à viúva de Salgueiro Maia. Já se esqueceram?
A mediocridade servil de Barroso tornou-se lenda. Foi um obediente sicário da senhora Merkel, e arranjou uma reforma sumptuosa. Agora, certamente, irá para outro "lugar de prestígio" e sumamente recompensado.
Entretanto, um em quatro miúdos portugueses vive nas faixas da miséria. E, como a miséria tem várias faces, isto significa que milhares e milhares de crianças portuguesas sofrem de todo o tipo de carências. Os pais estão desempregados (já há doze mil casais sem trabalho!), não têm dinheiro para pagar a renda da casa, "nem para a bucha e um prato de sopa", dizia, nas televisões, um desses desafortunados: e um banqueiro manhoso dispõe de três milhões de euros, para não ir parar à cadeia. Este é o Portugal que temos, a pátria que há, porque, no fundo, não queremos ou não sabemos utilizar as nossas forças para escorraçar esta cambada.
Até ao fim, como se tem visto, eles continuarão a fazer das suas, sem que, aparentemente, nada lhes aconteça. A impunidade em que vivem isenta-os da mais vulgar responsabilidade cívica. E com a rede de estipendiados montada com talento e argúcia está feita para vir em sua defesa acrisolada, e caluniar e insultar os ainda existentes recalcitrantes. Mas nós não somos os vencidos, atenção!, nem eles os vencedores definitivos.
Uma grande telenovela portuguesa
A "memória" da RTP está a retransmitir aquela que, na minha opinião e de muita mais gente, é a melhor telenovela até hoje produzida em Portugal. "Chuva na Areia", escrita por Luís de Sttau Monteiro, excelentemente realizada por Nuno Teixeira, com um prodigioso elenco de actores e actrizes, é o relato minucioso e ficcionado da passagem do salazarismo para o marcelismo. Ali se compreende melhor a frase de Lampedusa: "Temos de mexer em alguma coisa para que tudo fique na mesma." Sttau Monteiro sabia muito bem do que falava, e a sua telenovela atinge proporções inéditas pela vastidão de sectores sociais e políticos que abarca e analisa. Vale a pena ver, ou rever, este trabalho magnífico, até pelas estranhas semelhanças que pode evocar.
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